Grupos de apoio a pessoas afetadas pelo isolamento social ganham cada vez mais usuários com o avanço da quarentena. A estudante Natália Poliche viu sintomas que a levaram à terapia retornarem a partir das medidas de distanciamento social
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“Fiquei seis meses sem ir à terapia, mas a quarentena se tornou um gatilho para mim. Essa incerteza sobre como serão as coisas, quando tudo irá voltar ao normal, fez com que eu voltasse a procurar ajuda”. O relato é da estudante Natália Poliche, de 19 anos, diagnosticada com crise de pânico em 2017. Ela havia parado o tratamento no fim do ano passado, e com o distanciamento social, voltou a sentir os sintomas. Mas, assim como um grupo cada vez mais frequente na rede, encontrou uma alternativa de tratamento pela Internet.
A estudante mudou sozinha para Florianópolis para poder estudar. Em seis meses, não viu problema e continuou sem crises. Após a notícia de que a quarentena continuaria sem previsão breve de término, voltou a sentir os sintomas. “Minhas aulas na universidade foram suspensas, e não sabemos quando vamos voltar. Não posso ir para São Paulo. Todas essas incertezas geraram um gatilho, tanto para a síndrome do pânico como para a ansiedade”, explica. A saída foi retomar o tratamento, desta vez, não presencial. “Estou sendo atendida de 15 em 15 dias, e está me fazendo muito bem. Colocou meus pés de volta no chão”.
Uma das iniciativas recentes, voltadas ao atendimento de casos como o de Natália Poliche, é o projeto Apoio Psicológico Online, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ele surgiu com o objetivo de ajudar estudantes e profissionais da USP que precisam de terapia durante o isolamento social.
O coordenador geral, Pablo Castanho, afirma que, em uma semana, no início do projeto, 84 pessoas solicitaram apoio psicológico. “Estamos trabalhando para aumentar o nosso número de psicólogos colaboradores, e temos a perspectiva de ampliar o público-alvo para além da comunidade USP. Mas temos ciência de que a demanda potencial é muito expressiva“, admite.
Além desse tipo de ajuda profissional, se tornaram comuns também os grupos fechados em redes sociais, como o Síndrome do Pânico, Ansiedade, Depressão, Bipolaridade e Transtorno Borderline, com mais de 26 mil membros. Ele foi criado em 2017, no Facebook, com a intenção de compartilhar conhecimentos sobre diagnósticos e ajudar as pessoas que buscam apoio. Com a quarentena, em 30 dias, mais de mil usuários entraram no grupo.
Uma afirmação recorrente, entre eles, é que as crises começaram, ou voltaram, com a quarentena, e que o isolamento deixou a vida mais complicada. A criadora do grupo, Norma Perez, afirma que o aumento de integrantes também tem relação com a chegada das estações mais frias do ano, quando muitas pessoas se sentem mais depressivas – o chamado transtorno afetivo sazonal. “É um período crítico para os depressivos”.
Como parte do atendimento, o grupo propõe atividades físicas e bate-papos descontraídos. “Agora é a hora de se esforçar para sair do foco das sensações negativas”, diz Norma Perez.
“Quebrei a quarentena”
Há quem não consiga se adaptar mesmo aos serviços de atendimento psicológicos online. A estudante Ana Carolina Buso, de 23 anos, foi diagnosticada com síndrome do pânico há mais de um ano, e afirma que não conseguiu se manter isolada. “Não tenho conseguido ficar em casa. Infelizmente, quebrei a quarentena. Estar sem contato humano estava me deixando doida”, admite a jovem, que está em tratamento há oito meses.
Ana Carolina Buso: “Ficar sem contato humano estava me deixando doida”
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Ana Carolina explica que tentou diversas alternativas, desde medicamentos até métodos como reiki e microfisioterapia. Ela conta que conseguiu reduzir as crises, mas às vezes acontece algo que a desestabiliza. Ficar 24 horas dentro de casa por muitas semanas sem contato humano “é impossível”, diz a estudante.
A psicóloga Maryanna Sório, que antes da quarentena atendia só presencialmente, chama atenção para essa questão de pacientes que não querem ser atendidos por chamada de vídeo. “Não foram todos os meus pacientes que aderiram ao atendimento a distância. Alguns não se sentem confortáveis com esse novo método, ou não têm um espaço em casa que proporcione privacidade para realizar as sessões. Mesmo assim, recomendo que os pacientes não interrompam o processo”.
Para Maryanna, é perceptível o modo como a quarentena afeta a saúde mental das pessoas. “Desde que tudo começou, não houve um atendimento em que a pauta coronavírus não tenha vindo à tona. Pessoas que nunca tiveram nenhum tipo de problema podem desenvolver algum transtorno, não apenas ansiedade ou pânico”, explica.
A psicóloga e pesquisadora Thalita Lacerda Nobre afirma que, a partir desse novo meio de atendimento, o cuidado na relação terapeuta-paciente deve ser redobrado. “Os psicólogos com os quais tenho contato estão cuidando das especificidades do atendimento, sobretudo no que se refere ao sigilo e à busca pela neutralidade do ambiente. Diferente do atendimento presencial, o psicólogo entra na casa da pessoa”.
Thalita diz, também, que as crises de ansiedade podem atacar diversos grupos, não só os jovens. “Todas as faixas etárias podem sofrer durante essa quarentena. O fato é que, em situações extremas, a mente é convocada a se adaptar rapidamente. Quem tem dificuldade de adaptação a situações novas pode levar mais tempo, e isso pode ser mais sofrido também”.
(*) Sob supervisão de Alexandre Lopes, Eduardo Cavalcanti e Lidiane Diniz
Nem todos os pacientes aderiram ao atendimento a distância, afirma a psicóloga Maryanna Sório
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