Aulas estão suspensas há quase dois meses na capital federal, como medida de prevenção à Covid-19. Em periferias, famílias reclamam da falta de orientação das instituições. Kátia Rodrigues, moradora do Sol Nascente, é voluntária em associação que dá assistência a famílias de baixa renda
Arquivo pessoal
Mãe de três filhos, Kátia Rodrigues da Silva, moradora do Sol Nascente – periferia no Distrito Federal – viu a rotina mudar desde que as escolas fecharam as portas na capital, no dia 12 de março, devido à pandemia de coronavírus. “Eu estudo para ensinar eles”, conta, ao se referir às crianças.
Atendente em uma gráfica, Kátia está afastada do trabalho temporariamente e evita sair de casa. Ela conta que tem mantido apenas a atividade como voluntária na Associação Despertar Sabedoria, que presta apoio a estudantes de baixa renda no Sol Nascente. A família dela também também é atendida pela instituição (saiba mais abaixo).
Cursando o ensino médio para adultos, a atendente afirma que “preza pela educação dos meninos” dentro de casa. O filho mais velho, Kaio Ítalo, de 17 anos, ajuda nas tarefas do irmão, Ronaldo, de 12. Já a mulher e o marido, dedicam maior tempo nas lições do caçula, Josué, de 6 anos. Todos são alunos da rede pública.
“Tudo o que eu não sei, faço pesquisas, uso a internet para ajudar”
Josué, de 6 anos, filho caçula de Kátia Rodrigues, estuda durante quarentena
Arquivo pessoal
Ensino a distância
A Secretaria de Educação disponibilizou aulas online aos alunos do Ensino Médio. Kátia afirma que os filhos não têm usado esse recurso devido à falta de um computador na casa. O único meio de acesso à rede pela família é o celular, que tem conexão limitada.
Aparelho mais utilizado para acessar a internet no DF é o celular, com 98,6%
Ao G1, a Secretaria de Educação informou que “está finalizado o processo de contratação de pacote de dados” para famílias que precisam. Contudo, a pasta afirma que “a aquisição vai passar ainda por análise da Secretaria de Economia, quesito exigido pela legislação”.
Ainda como forma de manter estudos à distância, em todos os níveis de ensino, a Secretaria de Educação do DF lançou o programa Escola em Casa DF, que consiste nas teleaulas transmitidas pela TV Justiça, três vezes na semana.
Contudo, “pela familiaridade”, Kátia afirma que tem contado com a ajuda dos materiais e do cronograma de ensino da Associação Despertar Sabedoria, onde é voluntária. A instituição dá reforço escolar aos estudantes, e ela ajuda com as crianças atendidas.
Kátia Rodrigues, moradora do Sol Nascente, no DF, com os três filhos
Arquivo pessoal
Com aulas suspensas para evitar aglomeração, o local funciona atualmente apenas para prestar assistência às famílias com doações, mas a atendente levou para casa o conteúdo que seria ensinado por lá.
“Na escola, eles estudariam por quatro horas e meia. Lá em casa, fica diferente. Em duas horas e meia eles precisam fazer o dever”
Kaio Ítalo, de 17 anos, ensina tarefa ao irmão, Ronaldo
Arquivo pessoal
Kátia conta ainda que aguarda o retorno das aulas e defende “ter cuidado”, mas afirma que nem toda a vizinhança está de acordo. “Estou tendo bastante cuidado nessa parte [do isolamento]. Mas o povo não quer ficar a mercê disso, eles querem ter solução, entende?”
Ensino Especial
Lucca Alves, de 6 anos, com a mãe, Nívea Maria, e o irmão Rhuan Pedro
Arquivo pessoal
O morador de Ceilândia, região mais populosa do grupo de média e baixa renda do DF, Rodrigo Alves Oliveira, de 35 anos, é pai do jovem Rhuan Pedro Alves, de 16 anos.
O jovem, diagnosticado com paralisia cerebral, é aluno especial no Centro de Ensino Médio (CEM) 7. Para o pai, o ensino em casa é um desafio.
“Meu filho não consegue ler ainda. Como vou colocar meu filho para ver uma aula pela internet? Não dá, porque é completamente diferente de um aluno de uma turma regular”, disse.
Segundo o pai do menino, a diretoria da escola não tem dado assistência. A Secretaria de Educação afirmou ao G1 que “vem disponibilizando todas as orientações em seus canais oficiais – pelo site e nas redes sociais – e pedindo que as comunidades escolares acompanhem” (saiba mais abaixo).
Em isolamento social, Rodrigo divide a rotina entre o trabalho em home office, como administrador de uma loja de alimentos orgânicos, e o cuidado com os filhos. Além de Rhuan, ele e a esposa tomam conta de Lucca Alves, o caçula, de cinco anos.
Apesar das dificuldades, ele afirma que a família tem estrutura para manter os estudos. “Eu me sinto em uma posição confortável, tenho instrução escolar para ajudar eles”. Ele e a esposa têm o Ensino Médio completo.
A família de Lucca seleciona para ele vídeos educativos na internet e atividades que costumavam ser indicadas em sala de aula. “Tarefas de pintura ou atividades com músicas que envolve a atenção”, exemplifica.
Apesar das dificuldades, Rodrigo defende que as aulas só sejam retomadas quando a situação do vírus estiver controlada.
“Como pai de uma aluno especial, meu filho voltar para escola é impossível. Ele não vai querer ficar com a máscara a tarde toda. Ele não tem um problema grave de saúde, mas é um risco. Já decidimos, que se caso voltem por agora, não vamos deixar ele ir.”
O que diz a Secretaria de Educação
A Secretaria de Saúde afirmou ao G1 que “os diretores foram instruídos pela pasta a orientarem os estudantes a seguirem a grade escolar diária a que teriam acesso no caso das atividades presenciais em suas escolas”.
Veja abaixo a íntegra da nota:
“As atividades ou aulas disponibilizadas na plataforma Google para estudantes do Ensino Médio têm como objetivo principal oportunizar mais um espaço para que eles permaneçam engajados em seus estudos durante a quarentena. A participação é voluntária por parte de escolas, professores e estudantes.
Trata-se de um processo recente. A plataforma foi lançada na quarta-feira da semana passada (22/04) e as aulas efetivamente foram marcadas para começarem nesta última quarta-feira (29/4). Em breve, a Secretaria de Educação pretende disponibilizar pacotes de internet gratuitos, para permitir o uso mais amplo da plataforma.
Por isso, a SEEDF ainda não definiu como serão, por exemplo, as avaliações e a contagem do ano letivo via atividades realizadas pela plataforma, o que fará na medida em que tiver um balanço mais preciso do uso do ensino mediado por tecnologia e, também, estiver definida pelo governador Ibaneis Rocha a data de retomada das aulas presenciais.
Os diretores foram instruídos pela Secretaria de Educação a orientarem os estudantes a seguirem a grade escolar diária a que teriam acesso no caso das atividades presenciais em suas escolas.
Isso deve ser feito para que eles não se sintam sobrecarregados, tendo em vista o fato de que nem todos têm condições de organizar e seguir uma rotina de estudos diferente daquela a que culturalmente estão acostumados em relação ao ensino presencial.
Em razão do isolamento, que é uma situação absolutamente nova, as escolas, muitas com centenas de estudantes, encontram dificuldade em contatar diretamente os pais ou responsáveis e estão se organizando da melhor forma possível. Algumas, por exemplo, fazem este contato via mídias sociais, como o Whatsapp.
A Secretaria de Educação vem disponibilizando todas as orientações em seus canais oficiais (site e nas redes sociais) e pedindo que as comunidades escolares acompanhem. Neste momento, é o meio mais ágil.”
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