Professor de matemática da UFRGS contesta critérios do modelo de distanciamento controlado no RS


Matemático Álvaro Krüguer Ramos considera que bandeiras vermelha e preta são difíceis de serem atingidas com os índices atuais. Governo justifica que as normas do distanciamento social controlado são feitas a partir das análises dos dados. Mapa vale do dia 1º ao dia 7 de junho
Divulgação/Governo do RS
O professor do Departamento de Matemática Pura e Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Álvaro Krüger Ramos aponta que, com os atuais cálculos feitos para determinar as bandeiras regionais no modelo de distanciamento controlado do estado, é muito difícil as regiões chegarem à cor vermelha e impossível estarem na bandeira preta.
Ele aponta três fatores que impossibilitam as regiões chegarem aos níveis que representam risco alto e altíssimo:
Alguns indicadores utilizados pelo governo têm um peso alto no cálculo para tomar as decisões, mas não representam o desempenho das regiões;
Arredondamento dos valores finais;
A bandeira laranja como um sinal de flexibilização de medidas e não como um alerta.
Ramos considera que dois critérios do modelo estadual contam com um peso muito elevado nos cálculos: a capacidade dos leitos de UTI no estado, somada à mudança da capacidade de uma semana para a outra, resultam em 25% dos pontos estabelecidos pelo governo do estado para avaliar as 20 regiões.
“Temos 11 notas que vamos tirar, e tem duas notas que todas as regiões irão tirar sempre a mesma nota. A nota está determinada como se fosse o desempenho de todas as regiões. O peso dessas duas notas me parecem muito altas, é 25% do todo”, explica.
Com isso, mesmo com os indicadores ruins em alguns aspectos, nenhuma região registraria os índices para estarem com a bandeira preta.
“Com o sistema de saúde de hoje, uma região pode ter a nota máxima em todos os nove quesitos regionais e ainda assim ficaria com bandeira vermelha”, enfatiza.
Atualmente, para as regiões chegarem à bandeira vermelha, a média da soma, arredondada, dos critérios, deve ser dois. Caso alcance três, passa para a preta. Mas, segundo Ramos, a média para alcançar a cor mais escura é muito alta.
“Há um agravamento: a bandeira preta, que seria a pior nota possível, só é atingida com uma média muito alta. A região precisa tirar 2,5 de 3 para ficar com a bandeira preta. Porque é um arredondamento com 0 casas decimais. No arrendondamento, se tiram 2,49 é arredondado para dois, e fica na bandeira vermelha. Se tirou 2,5 ou mais, aí é arrendondado para 3, e vai para a bandeira preta”, esclarece.
Para o matemático, o modelo de distanciamento controlado do governo é correto, pois, para tomar decisões, se baseia nos dados da pandemia, além de ser um modelo pioneiro no Brasil para o enfrentamento da pandemia. Porém, enquanto o sistema de saúde não registrar regiões na bandeira vermelha, é preciso ficar alerta.
Ramos aponta ainda que por mais que o estado apresente quatro bandeiras, o governo trabalha apenas com três.
“O estado vende um sistema de quatro bandeiras, mas ele entrega um sistema de três. Imagina que a gente está em um semáforo de três cores. Na verde a gente passa, na amarela, diminui a velocidade, e a vermelha, para. Mas imagina que a gente tenha um semáforo de quatro cores, com a verde, a amarela e a vermelha e mais uma, que é a preta. Então, tu é capaz de passar no vermelho, porque é no preto que tu tem que parar. Mas se essa preta é uma ilusão, tu passa pela preta e causa um acidente”.
Com o modelo atual, a bandeira laranja não serve como um alerta às regiões, ela aparenta ser um sinal de flexibilização.
“Para mim é o grande problema. Porque também é importante a visão que a sociedade tem sobre as bandeiras. A pessoa em uma dada região tá olhando a sua bandeira e pensa que é bom. Só que a bandeira laranja já deveria ser um sinal amarelo, uma hora que a região toma um cuidado maior para não chegar na bandeira vermelha.”
Como melhorar
De acordo com Ramos, o Comitê de Dados do governo do estado, que trabalha com o plano de modelo de distanciamento controlado, já entrou em contato com o professor para receber sugestões.
Para o professor, o que deveria ser repensado, está no arredondamento dos cálculos, que é o que impossibilita o alcance aos índices para as bandeiras mais restritivas.
Assim, uma das resoluções seria um arredondamento com duas casas decimais e não 0, além de mudança nos números que resultam nas classificações das regiões.
“De 0 até 0,75 seria bandeira amarela – ela ganharia um pouco mais de espaço -, de 0,75 até 1,5 é bandeira laranja – seguindo o mesmo linear que tem atualmente – , e a bandeira vermelha perde um pouco de espaço, vai de 1,5 até 2,25 – quando hoje vai até 2,5. A bandeira preta ganha a possibilidade de aparecer. Porque uma região que fica com 2,3, que é alcançável, já ficaria com a bandeira preta”, diz.
Sociedade Riograndense de Infectologia
Na terça-feira (2), a Sociedade Riograndense de Infectologia publicou um posicionamento acerca das medidas do modelo de distanciamento social controlado. O documento aponta cinco aspectos que deveriam ser observados pelo governo, entre eles, o critério de utilizar apenas os casos de pacientes internados com a Covid-19 para definir em qual bandeira a região se classifica, e não o número total de casos confirmados.
“Estabelecer como critério de flexibilização do isolamento apenas a capacidade hospitalar, desconsidera o impacto social e individual decorrente do aparecimento de novos casos, do aumento de mortes e da ocorrência de surtos entre profissionais mais expostos, como no caso de profissionais de saúde e suas famílias”, apontam os infectologistas.
Outro fator que os profissionais abordam é sobre a flexibilização das ações de isolamento social, na qual eles apontam que “existem incertezas e lacunas de informação epidemiológica para se flexibilizar medidas de isolamento”.
“Redução do isolamento implicará na maior circulação viral e aceleração de novos casos. Não deve ser adotada na fase de aceleração da epidemia e antes de seu ‘pico”‘, aponta o documento.
Posição do governo
O governador Eduardo Leite, afirmou nesta quinta-feira (4), que a decisão sobre as normas do distanciamento social controlado são feitas a partir das análises dos dados.
Além disso, Leite disse que havia uma defasagem nos números de casos informados pelas cidades, o que dificultava a tomada de decisões. Isso porque as regiões que realizavam mais testes poderiam ser enquadradas com medidas mais restritivas.
“Todo modelo foi construído com especialistas. Pequeno conselho curador pra que possamos analisar todas as formas do modelo. O que se apurou é que a forma que tínhamos anteriormente, com os casos RT-PCR, tinham municípios que lançavam antes do que outros, e os casos referentes a internações são compulsórias, são melhores pra comparabilidade”.
“Não é uma decisão de gabinete, politica, é técnica, de análise de dados. Compreendo a análise da Sociedade de Infectologia, mas não temos os exames em tempo real, então temos que usar os dados oficiais”, acrescenta Leite.

By Negócio em Alta

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