‘Eles gritavam que eram inocentes’, diz irmã de mulher morta em perseguição policial no RS


Dorildes Laurindo foi atingida por tiros quando estava em um carro de aplicativo de carona dirigido por um foragido. O amigo dela, o angolano Gilberto Almeida, também foi baleado e ficou 12 dias preso por engano. Inquérito foi aberto para investigar conduta dos policiais militares. Morre mulher baleada por engano em perseguição policial no RS
Animada, sempre disposta, comunicativa, é assim que Dorildes Laurindo é descrita pela irmã. A mulher, de 56 anos, morreu na terça-feira (2) após ser baleada por engano durante uma perseguição policial no Rio Grande do Sul. O amigo dela, o angolano Gilberto Almeida, também ficou ferido. Eles estavam em um carro de aplicativo de carona, que era dirigido por um foragido, no dia 17 de maio.
“Eles gritavam, ela e o Gilberto, que eles eram passageiros, que eles eram inocentes, que eles não tinham nada, e eles [policiais] não queriam saber”, afirma a irmã Marjorie Maria Homes Luciano.
Dorildes teve morte encefálica após ficar internada em hospital de Gravataí. A irmã dela conta como foi a conversa delas logo após o fato.
“Ela estava sem entender nada. Ela disse que quando eles chegaram em Cachoeirinha, que o motorista começou a correr muito. Quando parou o carro, ele saiu correndo. Ela e o Gilberto ficaram com medo e saíram pela outra porta. Logo que desceram do carro já foram atingidos pelos disparos”, afirma Marjorie.
“O primeiro tiro que ela levou foi nas costas, esse ela sentiu como se o estômago dela saltasse. Ela colocou a mão para segurar, e já caiu. Esse deve ser o tiro que atravessou a medula, que também deve ter perfurado o pulmão. Depois que ela caiu, eles algemaram ela e o Gilberto, e começaram a agredir com chutes, nas costas, onde ela foi baleada”, acrescenta.
Ela disse que é lamentável tamanha violência que Dorildes e Gilberto passaram.
“Quando perceberam que ela já estava desmaiando, um deles batia no rosto dela, e gritava para ela ‘acorda vagabunda’, e batia com muita força no rosto dela. Pisavam na cabeça do Gilberto e diziam que ele ia sangrar até morrer. O Gilberto pedia uma ambulância, dizia que estava ferido, e eles diziam que não iam chamar”.
Marjorie disse que os ferimentos que a irmã sofreu foram muito graves.
“O intestino dela não estava funcionando. Tanto que teve que fazer uma nova cirurgia. Ela sentia muita dor, muita dor. Quando ia arrumar o lençol, o lençol passava nela e ela já gemia de dor. Era bem triste ver”.
A família de Dorildes espera por justiça diante de tudo o que aconteceu.
“Eu espero que o estado faça justiça, porque tem uma inocente se despedindo, tem outro inocente que vai ficar com sequelas no joelho, sem falar no trauma”.
Dorildes trabalhava como costureira. Há 10 anos, ela havia perdido um filho, de 26 anos, em um acidente de trânsito.
Ela havia conhecido Gilberto pela internet e estava feliz. O angolano, que mora há cinco anos em Goiás, veio visitar a amiga. Eles foram para Tramandaí com um carro por aplicativo, da empresa BlaBlaCar. Voltavam com o mesmo motorista quando tudo aconteceu. Eles nem imaginavam que o motorista era um foragido da Justiça.
“Ele começou a acelerar muito, e nós ficamos assustados e pedimos pra que ele parasse, mas ele continuava sempre acelerando. A velocidade chegava a 160, 180km, estávamos com medo daquela situação”, conta Gilberto.
O angolano ficou preso por engano durante 12 dias, até a Polícia Civil concluir que ele não havia cometido nenhum crime.
Segundo o delegado Eduardo Amaral, foram disparados 35 tiros pelos três policiais militares que atuaram na ação. O motorista do carro foi preso. Ele estava foragido por tentativa de feminicídio e tem antecedentes por tráfico de drogas.
A plataforma de caronas BlaBlaCar informou, por meio de nota, que não está envolvida no trecho em que toda a ação policial aconteceu. A viagem via aplicativo foi realizada apenas no trecho de ida (Cachoeirinha-Tramandaí), sendo o trecho de retorno realizado de forma particular. Veja nota completa abaixo.
Dorildes e Gilberto durante o passeio em Tramandaí
Arquivo pessoal
O que diz a Brigada Militar
Em entrevista à RBS TV, o comandante metropolitano da BM, tenente-coronel Alexandre da Rosa, disse que o caso está sendo apurado.
“Já no dia seguinte, antes de dar qualquer repercussão na imprensa, nós já havíamos determinado a abertura de inquérito. O fato se deu no dia 17, por volta da meia-noite. No dia 18, já foi instaurado o inquérito. Logo em seguida, veio a informação do delegado acreditando que deveria ter uma investigação mais aprofundada pela parte da Brigada Militar, e nós já estávamos com nosso inquérito em andamento”, afirma.
O comandante nega que Dorildes e Gilberto tenham sido baleados após saírem do carro.
“Em momento algum, isso está registrado. O que nós temos é que houve um confronto. Na verdade, são duas ocorrências. Primeiro, a Brigada tentou abordá-los em Cachoeirinha, porque já havia uma investigação em cima desse Luiz que é um foragido. A gente já tinha uma informação da área de Inteligência que dava conta que ele estava usando um carro de aplicativo”.
Depois disso, o motorista, foragido, acelerou e fez com que os policiais perdessem o carro de vista.
“Em Gravataí, a Brigada novamente localiza esse veículo, há uma segunda tentativa de abordagem, há uma nova fuga, e aí se consegue através de um cerco fazer uma abordagem ao veículo. Nesse momento, o Luiz, que era o foragido, estava armado, entra em confronto com a BM. Um lugar ermo, por volta da meia noite, lugar escuro”.
“Naquele momento, talvez os colegas nem conseguiram perceber quem estava atirando neles de dentro do veículo, isso é algo que o inquérito vai esclarecer”, acrescenta o comandante.
Ao ser questionado se os policiais envolvidos no fato continuam trabalhando, o tenente-coronel afirmou que um deles recebeu uma licença, que o próprio policial pediu antes da ocorrência.
“Outros dois foram encaminhados para o serviço de assistência social a fim de acompanhamento psicológico. O que é pratica nossa sempre que há um confronto mais traumático”.
Sobre a conclusão do inquérito, o comandante informou que tem “um prazo legal de 40 dias para ser concluído, mas dependendo de perícias, e oitivas, pode se estender por mais 20 dias”.
“Mas acreditamos que antes disso esteja concluído o inquérito, e a Brigada Militar vai dar essa resposta”.
O caso
Amaral disse que o motorista, que estava foragido e foi preso, foi também indiciado por outros crimes.
“A conclusão do inquérito é que ele reagiu à abordagem. Foi indiciado pela tentativa de homicídio qualificado contra os policiais, entre outros crimes que praticou durante a fuga, e também por falsa identidade, já que usava nome falso para cadastro no aplicativo de corridas”, diz.
Com relação ao angolano, a polícia entendeu que ele não praticou nenhum crime.
“Não reagiu a ação policial e na verdade ele e a Dorildes acabaram sendo atingidos por engano, durante a ação policial que tinha como alvo apenas o foragido”, destaca.
“No local próximo ao Gilberto foi encontrada uma arma de fogo, por isso em um primeiro depoimento a Polícia Militar acreditou que o Gilberto tivesse reagido também, mas nós apuramos na investigação que ele não reagiu e que aquela arma de fogo encontrada provavelmente seria do foragido, pelo histórico do foragido, e porque ele reagiu”, acrescenta o delegado.
Amaral destaca que o inquérito policial com o indiciamento do foragido foi concluído e remetido ao Poder Judiciário no dia 27 de maio.
“Como havia indícios de excessos praticados pelos policiais militares na ação, cópia do inquérito também foi remetida para o comando local da BM para a apuração de eventual infração penal/disciplinar militar”.
O Comandante do 17º Batalhão de Polícia Militar, que realizou a perseguição e a abordagem, Major Luís Felipe Neves Moreira, afirmou que até a conclusão do inquérito policial militar prefere não se manifestar.
Angolano e amiga gaúcha são alvo de 35 tiros da polícia em Gravataí
Nota da BlaBlaCar
“A BlaBlaCar, líder nacional em viagens de longa distância por meio de caronas compartilhadas, lamenta profundamente o ocorrido e reforça o compromisso com a criação de um ambiente de viagem seguro e confiável para os mais de 5 milhões de usuários da plataforma no País.
A empresa ressalta que a viagem realizada pelo casal Dorildes Laurindo e Gilberto Andrade com a ocorrência de confronto com a polícia e o incidente com tiroteio não ocorreu por meio da utilização da plataforma.
A companhia informa ainda que é uma comunidade de confiança que conecta quem procura uma viagem com quem tem espaço livre no carro. Funcionalidades como verificação de foto, e-mail, telefone e avaliações permitem que os condutores e passageiros escolham com quem vão viajar antes da viagem.
Por não ser um serviço de cunho comercial, não existe a obrigatoriedade de verificação da documentação.
No referido caso, o condutor Luiz Carlos Pail Junior optou por oferecer a carona sem cadastrar seus documentos, informação que fica disponível em seu perfil dentro do aplicativo, visível a todos que acessam a plataforma.
A BlaBlaCar preza pela segurança de seus usuários e reitera que se encontra à disposição das autoridades para colaborar com as investigações”.

By Negócio em Alta

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