Em parecer, OAB diz que Constituição não prevê Forças Armadas como ‘poder moderador’

Um parecer divulgado pela Ordem dos Advogados do Brasil mostra que é incorreta a interpretação de que as Forças Armadas poderiam agir como poder moderador em conflitos entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Em parecer, OAB diz que Constituição não prevê Forças Armadas como ‘poder moderador’
A Ordem dos Advogados do Brasil divulgou um parecer que mostra que é incorreta a interpretação de que as Forças Armadas poderiam agir como poder moderador em conflitos entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
A Ordem dos Advogados do Brasil explica que o parecer é uma resposta à “manifestação de figuras de grande projeção pública que defenderam a faculdade de as Forças Armadas realizarem intervenção armada para agir como uma espécie de ‘poder moderador’ nos conflitos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário” e que “essa proposta ganhou notoriedade após a onda de críticas mordazes, protestos violentos e movimentos criminosos contra o Supremo Tribunal Federal por parte de alguns círculos sociais exaltados”.

A OAB destaca que “a sugestão de uma intervenção militar constitucional ganhou ainda mais força após a divulgação das falas do presidente da República na reunião ministerial do dia 22 de abril, em que o mandatário faz menção ao artigo 142 da Constituição Federal como suposta autorização constitucional para que as Forças Armadas ‘intervenham para restabelecer a ordem no Brasil’”.

O artigo 142 da Constituição diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Em entrevista no programa “Conversa com Bial”, exibida na noite de segunda-feira (1º), o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que as Forças Armadas atuam como garantidoras da Constituição.

“Isso quer dizer que as Forças Armadas, no plano constitucional, atuam como garantes da Constituição. Quando o artigo 142 estabelece que as Forças Armadas devem garantir o funcionamento dos poderes constituídos, essa garantia é nos limites da competência de cada poder. Um poder que invade a competência de um outro poder, em tese, não há de merecer a proteção desse garante da Constituição, porque se os poderes constituídos se manifestarem dentro das suas competências, sem invadir as competências dos demais poderes, nós não precisamos enfrentar uma crise que exija dos garantes uma ação efetiva de qualquer natureza”, afirmou Augusto Aras.
Bial: “Não estamos próximos a isso nem um pouco?”
Aras: “Do procurador-geral da República não se encontrará. Não será este procurador-geral da República o catalisador de uma crise institucional dessa natureza.”

A declaração gerou muitos questionamentos. Na tarde desta terça (2), o procurador-geral da República publicou nota em que diz: “A propósito de interpretações feitas a partir de declaração ao programa Conversa com Bial sobre o artigo 142 da Constituição Federal, afirma que a Constituição não admite intervenção militar. Ademais, as instituições funcionam normalmente. Os poderes são harmônicos e independentes entre si. Cada um deles há de praticar a autocontenção para que não se venha a contribuir para uma crise institucional. Conflitos entre poderes constituídos, associados a uma calamidade pública e a outros fatores sociais concomitantes, podem culminar em desordem social. As Forças Armadas existem para a defesa da pátria, para a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer destes, para a garantia da lei e da ordem, a fim de preservar o regime da democracia participativa brasileira.”

O parecer da OAB é categórico em afirmar que não há previsão para que as Forças Armadas exerçam qualquer poder moderador: “A Constituição Federal não confere às Forças Armadas a atribuição de intervir nos conflitos entre os poderes em suposta defesa dos valores constitucionais. Falar em um ‘poder moderador’ exercido pelas Forças Armadas não apenas é demonstração de uma hermenêutica jurídica enviesada, como também é um argumento sem qualquer lastro histórico.”

De acordo com os juristas, as Forças Armadas só podem agir para garantir a ordem interna por iniciativa dos chefes dos três Poderes e nenhum poder tem mais legitimidade que o outro para fazer essa convocação.

“Ao tratar da possibilidade de atuação das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem, a Constituição flexibiliza o comando que atribui ao presidente autoridade suprema sobre as corporações militares. Não cabe às Forças Armadas agir de ofício, sem serem convocadas para esse fim. Também não comporta ao chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva competência para realizar tal convocação. De modo expresso, a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três Poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto.”

O jurista Gustavo Binenbojm, professor titular da Faculdade de Direito da Uerj, um dos autores do parecer, reforça: “O presidente da República deve obediência aos atos aprovados pelo Poder Legislativo, porque evidentemente está submetido ao princípio da legalidade, e às determinações do Poder Judiciário, que é a quem compete interpretar, em última instância, a Constituição e as leis do país, dizendo que o direito é e impondo a sua observância inclusive pelo presidente da República. Tanto é assim que a própria Constituição estabelece que o presidente da República que descumpre as leis ou descumpre ordem, ordem constitucional, do Poder Judiciário, descumpre ordem judicial, comete crime de responsabilidade e pode ser impedido para o exercício do cargo em virtude desse descumprimento.”

O parecer sustenta que “compreender que as Forças Armadas, inseridas inequivocamente na estrutura do Poder Executivo sob o comando do presidente da República, poderiam intervir nos poderes Legislativo e Judiciário para a preservação das competências constitucionais estaria em evidente incompatibilidade com o artigo 2º da Constituição Federal, que dispõe sobre a separação dos poderes. Afinal, com isso, estabelecer-se-ia uma hierarquia implícita entre o poder Executivo e os demais poderes quando da existência de conflitos referentes a suas esferas de atribuições”.

Os juristas explicam que se fosse válida a interpretação de que as Forças Armadas são poder moderador, o Poder Executivo acabaria em posição superior ao Legislativo e ao Judiciário, e a Constituição não estabelece hierarquia entre os poderes.

O parecer da OAB conclui que estabelecer essa hierarquia traria importantes e graves riscos para o princípio da supremacia constitucional e que é evidente a inconstitucionalidade da proposta de intervenção militar constitucional, com base no artigo 142 da Constituição.

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que também assina o parecer, explica que o Supremo Tribunal Federal é o intérprete e guardião da Constituição.
“A própria Constituição Federal estabelece que os poderes devem agir de forma harmônica e independente e que o Judiciário é o guardião da Constituição e que verdadeiramente esse, sim, é o poder maior, o poder que verdadeiramente deve ser protegido a todo custo numa democracia, que é a força da Constituição. Não há poder moderador das Forças Armadas na medida que as Forças Armadas não são um poder”, disse.

By Negócio em Alta

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