Ismael Flores conta que o pai dele foi infectado e que famílias demonstram angústia por não poderem visitar pacientes nas UTIs. O médico intensivista Ismael Flores
Arquivo Pessoal/Divulgação
“Desculpa a demora para responder. Acabei de sair do hospital e hoje foi um dia bastante pesado”, diz por áudio do aplicativo de troca de mensagens o médico intensivista Ismael Perez Flores, 35 anos. Ele trabalha nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) do Hospital Sírio-Libanês e do Hospital São Camilo, e faz parte de sua rotina cuidar de pacientes com Covid-19 em período integral.
Rotina que ganhou escalas a mais no tom grave e no tom pessoal nas duas últimas semanas, desde que o G1 conversou com o médico. O pai dele foi infectado pelo coronavírus.
“Graças a Deus ele não apresentou uma forma grave da doença, não precisou ser internado. Mas sim, ele teve uma pneumonia por Covid-19. Então, nas últimas duas semanas, fora o cuidado com os pacientes nos hospitais, tive de ficar com meu pai atento a qualquer manifestação de gravidade. Lógico que a gente fica com medo e preocupado, sei quais as complicações são possíveis. Muitos doentes ficam em estado grave, então é um risco. Minha vida atualmente se restringe a hospital e a ficar atento aos sintomas do meu pai”, afirma.
O cuidar de Ismael tem se estendido não somente ao pai. Quando liga para a família dos pacientes internados para falar do estado de saúde deles, o médico acaba orientando eles também. Muitas vezes alguns também estão infectados pelo coronavírus, mas seguem em casa por apresentarem sintomas leves. É proibida a visita da família a pacientes nas UTI’s. E falar diminui a angústia.
“Só com a gente esclarecendo a dúvida dos familiares em relação aos pacientes, à doença e à pandemia, essas pessoas já ficam bastante aliviadas e menos angustiadas”, afirma.
O que preocupa Ismael, assim como todos os paulistanos, é a lotação dos leitos nas redes pública e privada. Nesta quinta-feira (7), a Grande São Paulo já tinha quase 90% dos leitos ocupados. A desocupação é demorada. Quando um paciente vai para a UTI, ele pode passar mais de um mês lá.
“Notamos que nas últimas três semanas o número de casos voltou a aumentar, então as UTIs que tinham leitos disponíveis voltaram a ficar cheias e vieram casos muito graves. Alguns pacientes que tinham ficado muito graves no começo da pandemia continuam na UTI ainda em reabilitação, alguns com traqueostomia, ainda dependentes de ventilação mecânica. O processo é lento.”
O que dá esperança e força para continuar, segundo Ismael, é ver os pacientes se recuperarem. É o caso de um amigo médico dele que tem progredido.
“Vejo pacientes que chegaram a ficar em estado clínico muito deteriorado, com muita fraqueza muscular, a parte neurológica sem se recuperar, que enfim vêm melhorando. Tenho um colega médico que ficou em estado muito crítico, se internou no final de março e ficou intubado, com ventilação mecânica, precisou de hemodiálise e suporte respiratório extracorpóreo. A melhora foi lenta, ele precisou ficar sedado e aos poucos ele vem melhorando, já está recuperando a consciência, embora ainda precise de UTI. Isso estimula bastante a gente a continuar com nosso trabalho. Sabemos que essa pandemia não vai acabar tão rápido, então vamos ficar bastante tempo nessas UTIs com pacientes com Covid-19.”
Ismael não reclama do volume extra de trabalho. Somados os dois hospitais, Ismael tem atualmente uma carga horária de 66 horas semanais.
“Com certeza tem uma sobrecarga de trabalho e em uma carga psicológica, ainda mais sabendo que a tendência das UTIs é ter cada vez mais casos graves. Isso causa expectativa, sabemos que vai demorar a passar. Todo mundo precisou aumentar um pouco a carga horária. Eu tento fazer algumas coisas para manter a rotina fora do hospital, como atividade física, por exemplo. Sabemos que isso ainda vai longe e não resta outra coisa senão paciência, resiliência e, durante a jornada de trabalho, concentração máxima para cuidar dos pacientes da melhor maneira possível.”
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