Em meio à pandemia mundial do coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a quarentena no início de um surto pode atrasar o pico de uma epidemia em uma área onde a transmissão local que está em andamento. O Ministério da Saúde segue o mesmo padrão de isolamento.
Não à toa, governos estaduais e municipais tem fechado órgãos públicos, empresas estão direcionando os trabalhadores para home office e escolas suspenderam as aulas para evitar a proliferação da infecção.
No entanto, outras delas têm desrespeitado as recomendações e até as ordens de fechamento de estabelecimentos submetendo os trabalhadores e trabalhadoras ao risco de saúde, esses por sua vez, cumprem as medidas com receio de perder o trabalho.
Com o objetivo de reverter algumas destas violações, o perfil do Instagram Corona Capitalismo reúne denúncias enviadas por funcionários. Através da campanha “Muro da Vergonha – Quem coloca o lucro acima da vida” expõe e constrange marcas que mesmo diante da pandemia mundial forçam seus empregados ao trabalho sem proteção, demitem ou praticam assédio moral para garantir a produtividade.
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Mas quais as garantias do trabalhador em meio a pandemia do coronavírus? O que fazer para ter seus direitos respeitados? Confira a entrevista ao Brasil de Fato com o advogado trabalhista e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Thiago Barison, que responde a algumas dessas questões.
Brasil de Fato: O que determina a legislação trabalhista para casos como a pandemia do coronavírus?
Thiago Barison: Nesse caso, eu vou lembrar dois princípios do direito do trabalho. O primeiro deles é de que o empregador assume os riscos da atividade econômica, o que significa? Que ele pode ter lucro, mas se houver intercorrências que causem prejuízos ele que assume. É como se fosse uma contrapartida pela possibilidade dele ter lucro. Então nesse caso, não é de responsabilidade do trabalhador o que está acontecendo, então o empregador tem que suportar esse prejuízo.
O segundo princípio é o da dignidade da pessoa humana, o direito à vida, que vem em primeiro lugar, vem acima do lucro. Então o empregador não pode agravar os lucros que existem ao trabalhador nem expô-lo a riscos conhecidos como este.
Esses dois princípios norteiam a conduta que deve se ter nesse caso.
O que fazer se o trabalhador(a) está em um grupo de risco e o empregador mantêm a convocação para o trabalho?
O trabalhador individualmente deve portanto comunicar o empregador, provar documentalmente da forma que puder que se encontra num grupo de risco para que o empregador saiba e faça o que deve ser feito. Caso ele não faça, aí é necessário recorrer à organização coletiva solidária dos trabalhadores e, só em último caso, a medidas judiciais.
Por que eu digo isso? Porque a organização coletiva e solidária dos trabalhadores é o meio mais rápido e direto para resolver esses problemas e essas questões urgentes. O judiciário sempre corre atrás do prejuízo, pode até conceder uma liminar, mas é preciso tentar antes disso esgotar todas as possibilidades.
Nesse caso, os trabalhadores são as pessoas que colocam sua saúde em jogo, seu corpo, sua vida, sua energia à disposição do trabalho e, se algo der errado nessa situação, e tudo leva a crer que nós estamos em uma ameaça grande à saúde das pessoas, se algo der errado é a vida dessas pessoas que está em risco. Do outro lado está um patrimônio, que pode ser recuperado lá na frente. Nesse caso, a saúde deve estar em primeiro lugar.
Existe, inclusive, uma disposição que é a greve de risco, existe nas atividades em que há, por exemplo, risco elétrico e, se há uma situação que um coletivo de trabalhadores é obrigado a enfrentar por ordem do trabalhador, eles identificam que essa situação os coloca em risco de vida. Eles podem recorrer à chamada greve de perigo e se retrair, colocar a saúde em primeiro lugar. Não é o que eu estou propondo agora individualmente, mas pode ser uma alternativa, é preciso colocar seriamente a saúde das pessoas em primeiro lugar.
O empregador vai suspender as atividades, vai fechar a empresa durante esse período, ele pode descontar no salário do trabalhador(a)?
A respeito disso há uma norma precisa publicada, em 6 de fevereiro de 2020, que é a Lei 13.979, cujo artigo 3º, inciso 1º, prevê a possibilidade de isolamento e o inciso 2º a quarentena. Esta norma, destinada a estabelecer medidas sanitárias para combater o coronavírus, prevê que a ausência ao trabalho, seja no serviço publico, seja no emprego privado motivado pela quarentena, sejam ausências que devem ser consideradas justificadas. Ou seja, o trabalhador não pode sofrer nenhum desconto do salário. Então essa é uma medida importante, é importante destacar essa norma, que reafirma esses princípios do direito do trabalho que eu citei.
A corda não pode estourar nesse momento para o lado mais fraco, é por isso que a sociedade precisa se organizar para pressionar os demais agentes coletivos, as empresas aí incluídas, para colocarem a vida em primeiro lugar e o lucro em segundo lugar.
A empresa pode demitir ou colocar as pessoas em férias coletivas?
Férias coletivas estão previstas na lei, então a empresa pode conceder. Sobre a demissão, como eu disse, o empregador assume os riscos da atividade e a suspensão do trabalho não decorre de fato do empregado, mas sim um risco da atividade que o empregador tem que arcar.
A demissão coletiva é uma fato coletivo, então ela não pode acontecer sem negociação com o sindicato e seria um ato antissocial num momento como esse o empregador simplesmente dispensar o empregado, sem recorrer a soluções negociadas, sem recorrer à pressão perante as autoridades públicas para garantir uma outra solução para essa situação.
Quem trabalha por conta própria pode fazer o que se precisar parar? Onde pode acionar assistência?
O trabalhador por conta própria fica por esse momento desprotegido. Ele deve buscar se organizar coletivamente em associações para pressionar para que o Estado intervenha e garanta que a quarentena e o isolamento aconteça sem prejuízo dessas pessoas. Para assistência médica ele pode recorrer ao INSS.
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Como você vê as medidas que o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou?
Paulo Guedes, um ministro neoliberal que é contra qualquer medida coletiva, foi um dos autores de uma proposta de prestação continuada da assistência social. Os gastos dos velhinhos e pessoas com deficiência que são pobres, está propondo agora um voucher para os trabalhadores de R$ 200. Vejam essa crise passa a exigir até dos neoliberais alguma iniciativa.
Pois bem, é hora das forças organizadas do trabalho requererem muito mais, porque isso não é suficiente, a gente sabe que não. É hora de abandonar os velhos mitos do individualismo neoliberal e retomar a luta e a necessidade dos direitos sociais com prioridade para o Sistema Único de Saúde (SUS).
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Quais garantias poderiam ser implementadas pelo governo para a proteção do trabalhador(a)?
Agora seria o momento de estabelecer uma renda básica de cidadania. Vou adaptar o nome da proposta do senador Eduardo Suplicy, que é a renda básica de cidadania, se não conseguimos ao longe desses anos implementá-la, ao menos nesse momento deveríamos implementar a renda básica de emergência, que seria pagar esses benefícios independente do requerimento.
Concretamente, pagar um benefício de um salário-mínimo para todas as pessoas que vivem do trabalho para os próximos cinco meses para sairmos dessa crise. Alguém pode achar que isso é um absurdo, mas absurdo é não fazer nada. Absurdo é ver as pessoas morrendo sem tomar uma atitude e por incrível que pareça para qual o Estado tem dinheiro, tem reservas cambiais para fazer isso. Essa medida simples, ela é mais racional e mais barata. Porque com isso nos vamos prevenir o que é bem mais barato do que remediar, nesse caso prevenir a contaminação.
E esse dinheiro ele vai circular na economia, por enquanto limitadamente, mas vai circular. Para você ver como isso não é absurdo, eu acho que absurdo é não lutarmos por isso com todas as forças.