SÃO PAULO – O governo federal vem anunciando uma série de medidas para as empresas na tentativa de conter os efeitos econômicos da pandemia causada pelo coronavírus. No entanto, empresários relatam que as mesmas não têm surtido efeito para manter os negócios funcionando.
Vandré da Cunha, diretor comercial de uma empresa de São Paulo que fatura cerca de R$ 50 milhões por ano, conta que a maior dificuldade no momento é ter acesso a crédito. “Queríamos o empréstimo do BNDES. Fomos ao banco que informou que cobraria um juro de 17,5% ao ano para nos conceder o crédito, quando ele estivesse disponível, fora toda a papelada burocrática. Fica totalmente inviável”, afirma.
A empresa paulista, que tem cerca de 700 clientes ativos e 50 fornecedores, já demitiu 50 funcionários temporários e está tentando administrar o caixa e negociar pedidos e prazos com clientes para atravessar a crise.
Luis Fernando da Rocha, sócio da Crediário Prático, que administra o crediário de mais de 200 lojas e varejistas de pequeno e médio porte em Santa Catarina, afirma que também está passando por dificuldades de relacionamento com o banco.
“Precisamos de crédito para continuar vivos, pagando funcionários, mas ao negociar com os bancos não há informações sobre as linhas de crédito disponibilizadas pelo governo. Um dos bancos fez uma simulação cobrando 13,5% ao ano, no auge da crise. As medidas não chegam em quem precisa. O banco tem o seu spread e faz parte do negócio, mas não deveria ser o empresário o responsável pelo prejuízo. A sensação é de pânico”, afirma.
“O próprio financiamento da folha de pagamento: não há sinais de que vai chegar na ponta da operação, o dia de pagamento está chegando e como faremos para pagar os funcionários?”, complementa Rocha.
Para Oksandro Gonçalves, advogado empresarial e professor da PUC-PR, o que o governo vem apresentando realmente será insuficiente para driblar a crise. “O problema central das empresas são os tributos neste momento. As operações não estão girando, enquanto que as obrigações tributárias seguem acontecendo. As medidas são paliativas e não estão resolvendo os problemas”, afirma.
O InfoMoney entrou em contato com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), que afirmou que as medidas realmente não chegaram aos empresários porque não foram regulamentadas ainda.
“O Banco Central deu um prazo inicial que vai até o fim da próxima semana para regulamentar as medidas anunciadas pelo governo e, em consequência, para os bancos começarem a oferecer às empresas”, disse a assessoria. Ainda, a Febraban informou que em relação especificamente ao financiamento da folha de pagamento, “os bancos vão oferecer exatamente o que foi anunciado, sem spread: 3,75% ao ano, com três meses de carência e até três anos para pagar”.
Apesar da federação confirmar que existe um descompasso entre anúncios e a vida real dos empresários, nem todo mundo pôde esperar por essas regulamentações.
Franciele Kulik é microempresária e tem uma loja de roupas há oito anos no interior de Santa Catarina. “Desde que os rumores da quarentena começaram eu já estava de olho nas opções de empréstimos para cobrir minhas despesas. O movimento diminuiu cerca de 30% desde que o decreto da quarentena começou. Consegui apenas um empréstimo de capital de giro com o meu banco, com uma taxa de 1,7% ao mês. É muito alto. Vou pagar uma parcela mensal de mais de R$ 3 mil sem carência, no meio de uma crise dessa, mas não tem o que fazer, foi minha única opção”, afirma.
Ela tem oito funcionários e cerca de 15 fornecedores. “Além do meu banco, contatei mais dois e algumas cooperativas e nenhum deles soube me dizer como ia funcionar os financiamentos vindos do governo”, complementa.
“Essa demora em regulamentar e colocar na prática o que é anunciado só aumenta a incerteza e gera mais pânico. O objetivo é manter a atividade econômica, tentativas estão sendo feitas, mas não são efetivas ou ágeis o suficiente para ajudar o empresário”, afirma Bartine.
Marcelo Veiga, advogado do escritório Godke Advogados, explica que em um momento em que o comércio e o setor de serviços estão fechados, empresas como as de Franciele estão praticamente sem faturamento.
“As micro e pequenas empresas se prejudicam ainda mais, a maioria tem capital de giro para até 30 dias e vão fechar as portas porque não conseguem pagar salário e outras obrigações. Além disso, o microempresário não tem garantia para dar ao banco. A situação vai ficar crítica se não houver opões que agilizem e facilitem esse acesso ao crédito. As micro e pequenas são a esmagadora maioria de empresas no país e empregam mais pessoas do que qualquer outro porte de companhia”, diz.
De fato, dos empréstimos disponíveis nos bancos hoje, o empresário encontra uma alta nas taxas. De acordo com os dados mais recentes do Banco Central, a taxa média de juros para empréstimos de capital de giro de prazo superior a 365 dias, por exemplo, aumentou em março: foi para 23,2% ao ano, contra 22,2% comparando com o mesmo período de fevereiro.
Diante disso, algumas empresas estão entrando judicialmente com uma ação por meio da Portaria nº 12/2012 para pedir a suspensão de pagamento de tributos federais, segundo Gonçalves.
“A portaria permite que empresas que pertencem ao Simples Nacional prorroguem por 90 dias o pagamento de impostos federais em situação de calamidade, como a que estamos agora. Assim, empresas maiores estão entrando com o processo alegando equivalência nas situações. Já temos jurisprudência para dizer que muitas empresas estão conseguindo esse fôlego”.
Cunha conta que sua empresa entrou com esse processo judicial e está aguardando o resultado. “Foi uma saída que encontramos para esse momento, já que não está sendo possível conseguir o empréstimo”.
O advogado afirma que é uma crise de caixa. “As empresas não terão fluxo de caixa porque o dinheiro não circula. Temos um desencaixe. A maioria continua pagando fusionários e impostos, mas uma hora o empresário vai escolher entre um e outro”, diz Gonçalves.
Segundo Caio Bartine, advogado e Coordenador Tributário do Complexo Educacional Damásio de Jesus, o excesso de burocracia e de garantias solicitadas pelos bancos não faz sentido neste momento. “Como exigir uma série de papeladas, certidão negativa e garantias de um empresário que provavelmente já está devendo imposto desde que a crise começou e que sem esse empréstimo pode se afundar ainda mais? Não faz sentido essa dificuldade agora em um momento de crise. Tornar o caminho mais difícil não é positivo para nenhuma parte”, afirma.
“Vira um contrassenso: os bancos pedem uma lista de exigências em um momento totalmente atípico. A nossa empresa não tinha um imposto atrasado até semana passada e agora a situação fica complicada porque para conseguir empréstimos o banco pede a certidão negativa”, diz Cunha.
Esse documento é a comprovação de que a empresa não tem débitos com a União e é renovado a cada 180 dias. Se o empresário deixa de pagar algum imposto, por exemplo, não consegue emitir essa certidão.
Descompasso de prazos
Ainda, outro ponto a ser observado é a divulgação das possibilidades que as empresas têm neste momento. No dia 18 de março, a Portaria nº 7.820.
Ela informa que empresas de todos os portes podem prorrogar o prazo de débitos federais que sejam de competência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, parcelados ou não, em cobrança administrativa ou judicial. E oferece formas de parcelamento desses débitos: as empresas que escolherem adiar o pagamento precisam pagar uma entrada da dívida correspondente a 1% do valor total dos débitos, dividido em três parcelas iguais e sucessivas.
A primeira parcela do saldo remanescente deve ser paga somente no último dia útil do mês de junho de 2020. O saldo restante da dívida deve ser pago em até 81 meses, sendo em até 97 meses para microempresa ou empresa de pequeno porte.
No entanto, para as empresas participarem era necessário fazer uma inscrição no site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) até 25 de março. As empresas tiveram apenas uma semana para aderir à opção.
Bartine critica a forma como esse portaria surgiu. “A medida poderia ajudar muita empresa e não foi divulgada. O prazo de dias não seria o suficiente para todas as empresas tomarem ciência da opção. Mas o governo vai falar que ‘fez e que cabe às empresas analisarem todas as portarias tributárias’. É totalmente descuidado”, afirma.
E complementa: “Além disso, a dilação no prazo com o parcelamento não resolve a situação, posterga o problema. Não sabemos quanto tempo vai durar. Quem garante que o prazo será suficiente? Ninguém, é uma medida paliativa. O governo deveria estudar os prazos com mais cuidado, mas o tempo é curto”, afirma.
O advogado acredita que, dependendo da gravidade da crise, o Brasil terá que pedir ajuda internacional, como do Fundo Monetário Internacional (FMI). “Há a necessidade de socorro, o governo precisa de recurso para investir na saúde e ao mesmo tempo não pode deixar a economia parar. Não sabemos até que ponto a crise vai se estender, dependendo da gravidade existe a possibilidade de o governo ter que pedir ajuda internacional. Ainda não chegamos neste ponto, mas não descarto”, diz Bartine.
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