Entidades de todo o país relacionadas à saúde classificaram a criação da Agência Para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) como um ataque ao Sistema Único de Saúde (SUS), em meio à crise causada pela pandemia da covid-19. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criou a agência, no dia 20 de março, por meio do Decreto 10.283.
Por meio de nota assinada por mais de 20 associações ligadas ao tema, elas alertam que a extensão a nível nacional da terceirização de contratação de profissionais de saúde e da gestão de serviços, não é um modelo sustentável e estável para a organização do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Podem se tornar grandes portas para prática de corrupção e de caixa 2 para campanhas eleitorais (…) Não há mais unanimidade junto aos órgãos de controle, que vem considerando esse modelo de contratação como burla aos procedimentos habituais de transparência, isonomia e providência a serem respeitados pelas instituições públicas”, diz o texto.
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Segundo Vinicius Ximenes, médico sanitarista e integrante da Rede Nacional De Médicas e Médicos Populares, uma das organizações que subscreve a nota, o governo realizou um processo “peculiar” de definição de um novo ordenamento de atenção primária à saúde. Apesar de ter sido criada pelo governo federal, este não tem jurisdição sobre a Adaps.
A agência assumirá atribuições que antes eram “da alçada da União, estados e municípios em relação ao ordenamento e funcionamento de serviços de atenção primária à saúde do país”.
“De certa forma, o governo Bolsonaro subestabeleceu uma série de responsabilidades que vêm da União, dos Estados e municípios para que esse ente, que não tem nenhuma relação com o Estado, possa cuidar de um aspecto valioso em relação à organização das políticas de saúde no Brasil: a atenção primária à saúde”, afirma o médico sanitarista.
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Ele explica que as responsabilidades vão desde o provimento de profissionais da saúde até a construção do mapa de necessidades, onde deve alocar os trabalhadores.
Para o médico sanitarista, o governo está construindo a narrativa de que precisa de mais médicos e, por isso, criou a ADAPS: para melhorar a gestão de contratação. “Só que dentro dessa ideia de emergência, é nesse momento que as negociatas não muito transparentes podem começar acontecer”, alerta.
As entidades também afirmam que médicos participantes do 13º ciclo do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB) serão desligados a partir do dia 25 de abril.
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Para as organizações, possivelmente haverá uma lógica de “uberização” na contratação de médicos, “dentro dos parâmetros que serão dados pela criação da Carteira de Trabalho Verde-Amarela, e a fragilização da atual Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pela reforma trabalhista que corre em paralelo”, diz o texto.
“A principal preocupação que nós temos é de o governo começar a fazer uma série de investimentos que vão alimentar essas relações público privadas que vão começar a ter uma lógica de uberização do ponto de vista do trabalho médico”, afirma Ximenes.
Diante do cenário, as organizações levantaram algumas propostas contra a criação ou em alternativa à ADAPS. Entre elas está a manutenção da contratação e atuação dos médicos participantes PMMB e o cancelamento da implementação da ADAPS, havendo maior debate com as instâncias de controle social do SUS antes de sua efetiva criação.
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Funcionamento
O médico sanitarista Vinicius Ximenes explica que a agência será uma espécie de ente jurídico privado paraestatal, ou seja, tem relações preestabelecidas com o Estado, mas não faz parte deste. É uma entidade do terceiro setor, como as organizações não governamentais.
A Adaps é um tipo de ente chamado de Serviço Social Autônomo (SSA), assim como Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e Serviço Social do Comércio (Sesc). Esses entes prestam esclarecimentos e contas frequentemente aos órgãos de controle do Estado, mas têm vida e corpo diretivo próprios.
De caráter nacional, a nova agência criada por Bolsonaro funcionará de forma semelhante às Organizações Sociais de Saúde (OSS), que já atuam dentro do SUS, principalmente nos estados, há anos.