Brasileiros na Índia falam em “crise humanitária” e pedem repatriação imediata

Pelo menos 271 turistas brasileiros que estão retidos na Índia e no Nepal, região sul da Ásia, solicitaram repatriação no mês de março, por conta da pandemia do coronavírus, e não foram atendidos. A informação é do advogado Carlos Lopes de Oliveira, que assina como representante do grupo em uma petição on-line divulgada no dia 26 de março.

A Índia tem mais de 2 mil casos confirmados de coronavírus e registrou 58 mortes por covid-19 até o momento. O Nepal contabiliza seis casos e nenhuma morte. Na petição, que obteve mais de 5 mil assinaturas, os brasileiros dizem se tratar de uma “crise humanitária” e ressaltam a necessidade de repatriação “urgente e imediata”.

Oliveira explica que 95% deles estão na Índia e que, embora o número de casos seja menor que no Brasil, a crise se agrava a cada dia: “São nacionais fora do seu país, sem assistência consular devida, enfrentando riscos, especialmente devido à postura agressiva da polícia”, alerta.

Nos últimos dias, circularam na internet imagens em que a polícia indiana aparece agredindo ou humilhando cidadãos que romperam com o isolamento e saíram às ruas. As maiores dificuldades dos brasileiros são para obter hospedagem e alimentação, já que a circulação é restrita e muitos lugares rejeitam estrangeiros.

A petição diz que, “pelo simples fato de sermos estrangeiros”, estão ocorrendo violações como “expulsão de hotéis, albergues e escolas; ameaça de prisão por polícia local; confisco de passaportes pela polícia local; não devolução de valores por acomodações contratadas e abruptamente interrompidas; divulgação dos nossos nomes em imprensa local como pessoas contaminadas pelo coronavírus/covid19”, aponta o texto.

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O advogado afirma que todos os 271 turistas compraram passagens aéreas para retorno ao Brasil até o mês de maio. A maioria já teve os voos cancelados e os demais não sabem quando poderão embarcar – a quarentena na Índia está prevista até 14 de março, mas há possibilidade de prorrogação.

A irmã de Oliveira é uma das cidadãs retidas na Índia. O curso que ela fazia em Mumbai, costa oeste do país, foi encerrado “da noite para o dia”. A alternativa foi se hospedar na casa de amigos. “Chegando lá, o amigo dela foi notificado por estar recebendo estrangeiros. Então, mesmo quando um indiano quer ajudar, a postura da polícia é agressiva, porque eles associam os estrangeiros a portadores de coronavírus”, relata.

Quanto à situação no Nepal, o advogado esclarece que os brasileiros que estavam em um povoado próximo ao Monte Everest conseguiram se mudar para a capital Kathmandu e, portanto, correm menos risco.

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Voos cancelados

A fisioterapeuta Luisa França, de Londrina (PR), chegou à Índia em meados de janeiro e viajou pelo país com amigos brasileiros. Enquanto passeava, recebeu notícias dos primeiros casos de coronavírus na China. Os dois países têm mais de 3 mil km de fronteira e são separados pela cordilheira do Himalaia. “Fiquei preocupada, porque a Índia é muito povoada, é o segundo país mais populoso do mundo. O que me deixou segura é que eu tenho amigos aqui, por isso talvez acabei ficando confiante demais”, reconhece.

O voo de volta ao Brasil, pela empresa aérea holandesa KLM, deveria sair na madrugada de 3 de abril, mas foi cancelado há uma semana. Em seguida, a companhia passou a oferecer um novo voo para o mesmo horário. Cada passagem custa em torno de US$ 2 mil, o equivalente a R$ 10 mil, quase o triplo do valor cobrado normalmente.

“Foi a França que conseguiu esse avião [para repatriação de cidadãos franceses]. Basicamente, o que eles estão fazendo é cobrar um preço alto por uma carona nos 15 lugares que sobraram”, explica a brasileira de 29 anos.

Luisa buscou informações em outras companhias, como a Emirates, mas a resposta é de que não haverá novos voos até 30 de junho. Outra empresa que opera no país, a Turkish Airlines não permite reservas até a situação do país se definir.

Enquanto tenta viabilizar uma passagem de volta, a fisioterapeuta lida com a saudade do filho – que ficou no Brasil, com a família do pai – e conta com a ajuda de amigos que aceitaram recebê-la ao sul de Nova Delhi, capital da Índia. O bairro Saket, onde ela está hospedada, é um dos mais seguros da cidade e tem mercados e bancos próximos.

Para quem não teve a mesma sorte de Luisa, a realidade é outra. Na última semana, o jornal O Estado de S. Paulo publicou relatos de brasileiros retidos na Índia que enfrentam situações de xenofobia e estão precisando racionar água e comida. O Itamaraty recomenda a todos que entrem em contato com o Grupo Especial de Crise por meio do número +55 61 98260-0613, que atende cidadãos na Ásia e na Oceania. 

Perspectivas

Carlos Lopes de Oliveira afirma que a Embaixada do Brasil na Índia não deu perspectivas de repatriação para os próximos dias. “O único retorno que eles nos deram foi pedir para preencher um formulário on-line, que foi preenchido. Mas, efetivamente, sobre a volta ao Brasil, eles dizem que não há previsão”, conta.

“A informação que tive, por meio de contatos no Itamaraty, é que por enquanto é muito difícil, porque teria que alinhar com o governo indiano. Porém, a gente tem notícias de que alguns países vêm fazendo a repatriação dos seus nacionais na Índia mesmo durante a paralisação. Então, o que a gente nota é que tem havido um ritmo lento, por parte do governo brasileiro, para agir de fato”, afirma o advogado.

A reportagem entrou em contato com a Embaixada do Brasil em Nova Delhi e com o Ministério das Relações Exteriores, que responderam aos questionamentos por meio de uma nota unificada.

No texto, a embaixada afirma “não ter conhecimento de advogado constituído para representar todos os brasileiros não-residentes retidos na Índia, e não ter recebido qualquer contato do referido cidadão”.

“É improcedente a informação de que não está sendo prestado apoio aos turistas. As duas representações brasileiras naquele país têm mantido contato ativo com todos os brasileiros e respondido a centenas de mensagens, por todos os meios, dos nacionais”, diz.

Ainda segundo a nota, “a Embaixada em Nova Delhi e o Consulado em Mumbai têm trabalhado, desde o início da pandemia de covid-19, para assegurar o retorno de todos os brasileiros atingidos pelas restrições de movimentação, com vistas a viabilizar o retorno dos brasileiros não residentes na Índia. A Índia proibiu os voos em todo o país, além de impor restrições consideráveis de deslocamento interno no país. O Itamaraty está buscando meios de superar a situação para possibilitar o retorno dos brasileiros”.

Entre as ações implementadas pelo consulado e pela embaixada na Índia, o texto ressalta a “busca ativa de todos os brasileiros para mapeamento de suas necessidades; negociações em curso com companhias aéreas para buscar soluções viáveis para o repatriamento; apoio para a compra de medicamentos de uso contínuo para turistas com doenças crônicas; resgate de brasileiras expulsas de seus hotéis e em situação de vulnerabilidade em cidades próximas a Nova Delhi e obtenção de alojamento em local seguro na capital; compra de alimentos para brasileiros em situação de desvalimento; obtenção de autorizações governamentais para o traslado de 20 brasileiros, alojados em condições precárias em diferentes estabelecimentos em Rishikesh, para uma única pousada (ashram) com melhor infraestrutura; obtenção de quartos em rede hoteleira em toda a Índia para obter acomodação, em todas as faixas de preços, para brasileiros que se encontrem sem hospedagem; atendimento de brasileiros detidos pela polícia e diligências junto a autoridades policiais para proteção da integridade e dos direitos de cidadãos brasileiros; publicação, nos perfis do posto em redes sociais, de informações atualizadas em português sobre as medidas de combate à pandemia adotadas pelo governo indiano”.

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No texto a embaixada e o Ministério das Relações Exteriores rejeitam “categoricamente a afirmação de que os brasileiros retidos na Índia não estariam sendo assistidos”.

“Reconhecemos que as dificuldades impostas pela situação excepcional em que vivemos não têm permitido, muitas vezes, solucionar os problemas dos nacionais, mas cada esforço e recurso do Itamaraty está direcionado para lograr o objetivo último de trazer os brasileiros para casa”, conclui o texto com o posicionamento unificado.

A reportagem também questionou o Itamaraty e a Embaixada do Brasil em Nova Delhi sobre o número total de cidadãos brasileiros que aguardam resposta a pedidos de repatriação na Índia, mas não houve resposta até o momento.

By Alice Pavanello

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