Embora a pandemia do coronavírus já seja realidade em todos os países da América do Sul, as estratégias para enfrentá-la variam de acordo com cada governo. Os brasileiros que vivem nos diferentes países da região são testemunhas importantes para entender o que está acontecendo em cada um deles e porque o vírus se espalha em diferentes velocidades.
Apesar da proximidade, países como Argentina e Chile apresentam perfis socioculturais distintos e governos ideologicamente diferentes, elementos que parecem interferir nas estratégias adotadas no combate à propagação do coronavírus em cada território nacional.
Na Argentina, governada pelo peronista e progressista Alberto Fernández, as medidas que vêm sendo tomadas podem ser consideradas “exageradas” para alguns, já que incluem fechamento de fronteiras e quarentena em todo o país, sem importar, ao menos por enquanto, os efeitos que isso terá na economia. Contudo, elas têm servido para impedir um maior crescimento dos casos, e por isso tem sido bem aceitas pela maioria da população.
Carlos Oliveira é um brasileiro que vive no país há mais de cinco anos. Ele conta que essas medidas têm impactado na sua vida e na de todos os cidadãos de uma cidade complexa como Buenos Aires, mas que, em geral, há bastante compreensão a respeito de que essas são as políticas que devem ser adotadas em um momento como este.
“Todas as pessoas podem ir à farmácia ou ao supermercado quando realmente necessitam. Têm que comprovar que necessitam, há muito policiamento na rua, metade das saídas da cidade de Buenos Aires estão fechadas. Algumas pessoas foram presas, outras foram multadas, mas são poucas, a maioria está respeitando”, detalha.
Carlos conta que está tendo que encarar uma quarentena mais restrita, já que ele estava de férias no Brasil recentemente. Ao voltar ao trabalho, por vir de um país considerado “de risco”, está obrigado a ficar exatos 14 dias sem sair de casa. “Nem pro mercado eu posso ir. Mas tudo bem, é aquela questão do bem maior, de proteger ao próximo”.
Trabalhador da área do turismo, Carlos se diz admirado com o sentido de união que os argentinos vêm tendo neste momento de enfrentamento de uma situação tão difícil como uma pandemia. “Aqui os governos se colocaram de acordo muito rapidamente. Governo federal com os governos estaduais entraram em acordo muito rápido (e decidiram) fazer a quarentena. É o que os países estão fazendo, então vamos fazer igual. Às 9 da noite, é bem legal, as pessoas aplaudem os profissionais da saúde e outros que estão ajudando a enfrentar a doença e estão mais expostos. Muitos gritam `vamos, que podemos; vamos, Argentina´. Culturalmente, eles são assim, eles são de se unir realmente quando se precisa. E é isso, não existe A, nem B; existe uma coisa que é sair o mais rápido possível disso. E a gente sabe: vai impactar na economia, mas é isso. Já que tem que fazer, vamos fazer o mais rápido possível e vamos voltar às ruas”, relata.
As medidas do governo de Fernández vêm conseguindo conter relativamente o vírus. Até essa quarta-feira (25), o país registrava 385 casos, com 8 mortes.
Chile
Do outro lado da cordilheira, o Chile neoliberal de Sebastián Piñera apresenta, até o momento, apenas três mortes por covid-19. No entanto, a quantidade de casos é muitíssimo maior. Até essa quarta (25), havia 1142 contagiados, e nos três dias anteriores foram registrados 250 novos casos por dia.
Em meados de março, o governo nacional não decretou uma quarentena, e sim estado de catástrofe, situação que inclui medidas como fechamento de fronteiras e toque de recolher durante a noite, mas sem um isolamento social durante o dia.
Apenas algumas prefeituras impuseram a quarentena. Uma delas é Valparaíso. Sede do Congresso Nacional, a cidade litorânea é governada pela Frente Ampla, de esquerda. O brasileiro Alexandre Vieira administra um hostel nessa cidade. Para ele, o governo chileno tem hesitado na hora de tomar as medidas mais severas.
“Infelizmente, o governo chileno (nacional, de Piñera) tomou medidas tardias. O governo de Valparaíso, a prefeitura de Valparaíso, anunciou o fechamento dos terminais de ônibus, e a cidade agora está totalmente deserta para o turismo. Por um certo lado, isso é muito bom, porque as pessoas têm que ficar em casa, embora muitos não respeitem isso. Porém, pelo lado do turismo, estamos com muitos problemas financeiros, porque não estão chegam mais hóspedes”, relata Alexandre.
Em relação às dificuldades econômicas causadas pela pandemia, Alexandre se diz pessimista quanto ao apoio do governo às pessoas que estão sendo afetadas. “Estamos agora esperando alguma medida do governo, ajudar-nos a seguir com o nosso trabalho, talvez uma isenção de impostos, ou isenção de aluguel, luz e água, porém acho que o governo atual não tomará tais medidas”.
Alexandre também comentou a situação atual do Brasil. “Há um tempo que eu deixei de acompanhar as notícias do Brasil, porque não estou de acordo com o que vem sendo realizado pelo governante que foi eleito. Acho que ele é um câncer para a nossa sociedade. Então, além de nos protegermos do vírus, creio que devemos pensar também em eleger outro tipo de governante nas próximas eleições”.
No Chile, a falta de medidas mais severas por parte do governo causou a indignação de parte da população e de prefeitos chilenos, até mesmo entre os aliados do presidente Piñera.
A pressão política contra o governo produziu uma mudança de postura. Nesta quinta-feira, foi iniciada uma quarentena em boa parte da cidade de Santiago, especialmente nos setores mais ricos, onde apareceram os primeiros infectados e onde ainda está mais da metade dos casos chilenos.
Enquanto isso, nas redes sociais, ganha visibilidade um debate sobre as diferenças de tratamento dado à pandemia pelos governos do Chile e da Argentina. Um meme que vem circulando dos dois lados da cordilheira faz a comparação a partir de seis aspectos. Além da quarentena de um lado e do toque de recolher do outro, a publicação também lembra que, na Argentina, os militares foram convocados para produzir máscaras e outros insumos médicos.
Além disso, a postagem ainda contrasta a gratuidade do teste do coronavírus na Argentina com a taxa de até 25 mil pesos (cerca de 150 reais) cobrada no Chile, que também não estabeleceu controle de preços aos alimentos e medicamentos, como fez o governo argentino. Outra diferença importante está na ajuda às famílias, que será de 800 a 1040 reais por pessoa na Argentina, enquanto o Chile entregará uma bolsa de 78 reais por família para cada filho.