ARTIGO | É preciso refletir sobre a nossa responsabilidade com as periferias

A pandemia do coronavírus registrou, nesta quinta-feira (26), 2.915 casos confirmados de pessoas infectadas no Brasil, chegando a 77 óbitos em todo o país. O número assusta, e o Brasil parece um navio em meio a uma tempestade, à deriva.

Alguns marinheiros tentam de forma atrapalhada ter iniciativas individuais, e o capitão, enquanto o navio balança em meio à tempestade, está mais preocupado em deixar seu retrato de mesa reto,  do que assumir a sua responsabilidade de forma séria e consequente.

O mais grave é que se parece mais com um navio negreiro do que um iate de luxo. Este texto busca analisar de que forma a pandemia afetará esses invisibilizados, que vivem nos porões e nos quartos de despejo desse navio.

O coronavírus está só no início da sua crise no Brasil. Ao olharmos para a experiência de outros países, sabemos que o meio que demonstra maior eficiência para combater o coronavírus é o isolamento social. Quando pensamos em implantar essa estratégia de combate aqui, no Brasil, algumas dúvidas surgem. Por exemplo, o que faremos com a massa de trabalhadores informais, desempregados, pessoas em situação de vulnerabilidade social e a população carcerária?

A crise política, social, econômica e ambiental não é uma novidade no Brasil. Infelizmente, a  pandemia do coronavírus só fez acelerar os reflexos de medidas aprovadas nos últimos anos. Como exemplo, a PEC do Teto dos Gastos Públicos, que limita o investimento nas áreas sociais, como educação e saúde. Outro exemplo é a Reforma Trabalhista, que aumentou o desemprego e a flexibilização dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, deixando as pessoas enfrentarem a pandemia sem nenhuma garantia, nem apoio. E agora? Sabendo que o exercício da projeção é importante para nos prepararmos para as batalhas, apresento três reflexos possíveis do coronavírus nas periferias.

Primeiro reflexo

Sentiremos os efeitos da pandemia no bolso. Com o aumento de infectados e de mortos, a medida de isolamento poderá se intensificar e as pessoas que sobrevivem do trabalho informal, como ambulantes, ubereats e diaristas, serão os primeiros a sentirem o abandono do Estado e a falta de políticas públicas.

As medidas que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro vieram trabalhando, na sua grande maioria, sinalizam a preocupação do governo com as empresas e o mercado, e não com os trabalhadores. Exemplo disso é a MP 922, ou “MP da Morte”, proposta pelo presidente, que trouxe em um de seus artigos a possibilidade de os empregadores demitirem seus funcionários e reduzir a carga horária com redução salarial durante quatro meses.

Outro exemplo é a medida anunciada por Guedes de investir até R$ 83 bilhões para a população carente. Dividindo isso entre os trabalhadores informais, 38 milhões, isso daria um salário por pessoa de R$ 2.184. Entretanto, Paulo Guedes anunciou uma possível ajuda financeira para os mais carentes de apenas R$ 200 por mês, valor que não dá nem pra começar o assunto numa família com quatro pessoas. Essas são apenas medidas para inglês ver!

Segundo reflexo

Em segundo lugar, seguindo os efeitos do primeiro reflexo, a população brasileira vai sentir no bucho. Parece óbvio, mas às vezes o óbvio precisa ser dito para ser encarado.

O reflexo da falta de remuneração vai trazer à tona um velho inimigo do Brasil, que já vem de forma tímida mostrando as caras. Eu tô falando da fome!

Os  200 “mirréis” do Paulo Guedes não vão resolver o problema da família brasileira. Uma pesquisa feita nas periferias pelo Instituto Data Favela aponta que  63% das famílias consideram que a alimentação seria prejudicada com o isolamento social. Isso pode gerar mais quatro reflexos.

O primeiro seria o aumento da violência. Em meio ao desespero da fome, poderemos assistir a uma onda de saqueamentos nos próximos meses, principalmente em torno das próprias comunidades.

Derivado desse reflexo, temo o segundo: o cerceamento das comunidades pelas forças policiais, por meio do controle da saída e entrada de moradores, o que poderia levar ao aumento da violência policial. Esse é um processo que pode gerar uma reação das facções criminosas caso o governo não dê uma resposta protetiva à massa carcerária espalhada em mais de 1.500 presídios e casas de detenção pelo país.

Esse processo pode gerar o terceiro reflexo: uma reorganização dessas facções no intuito de protestar contra o governo. Não esqueçamos do “Salve geral” que demonstrou a capacidade organizativa desse setor.

Por fim, como quarto reflexo, o isolamento pode agravar outro problema que também é um velho e conhecido inimigo do Brasil: os casos de violência doméstica e de manifestação do machismo.

Terceiro reflexo

A pandemia vai fazer doer na alma. Vai  morrer muita gente, principalmente aqueles que não têm condições para tomar os cuidados básicos, e aí já sabe quem são. Sem dinheiro pra comer, sem condições de trabalho, o povo não vai ter grana pra bancar o enterro e terão que ver seus entes queridos serem enterrados como indigentes ou jogados aos montes em valas comuns. Isso vai doer na alma, na carne.

As ligas camponesas já nos demonstraram a importância de organizarmos ou de darmos condições para as famílias velarem e enterrarem seus parentes de forma digna.

Se as periferias aceitarem o discurso de Bolsonaro e não realizarem o isolamento social, passaremos por um processo de higienização social com vistas grossas do governo. Por isso, a primeira tarefa é o isolamento social, diminuindo a propagação do vírus. A segunda tarefa é a conscientização da população sobre os riscos. A terceira tarefa é construir ações de solidariedade, adotar toda iniciativa possível, mas tomando todos os cuidados para não nos colocarmos em risco e sem contribuir na disseminação do vírus.

A  solidariedade é a nossa principal arma de defesa dos excluídos. Vamos liberar a internet pro vizinho, montar grupos online, passar informações verdadeiras e conscientizar nosso povo, ir ao mercado para quem precisa, arrecadar doações de cestas básicas e materiais de higiene. Se eles lá não fazem nada, nós fazemos por aqui! É necessário proteger nosso povo, é necessário resistência!

 

*Carlos Alberto (Carlinhos) integra a Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude.

 

By Alice Pavanello

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