O coronavírus chegou ao Brasil e muitas são as questões apresentadas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já considera a pandemia “a maior crise sanitária global do mundo”. Em nosso país, a crise sanitária caminha ao lado de uma crise econômica e política. Além de incitar e participar de atos que atentam contra a democracia, o presidente da República descumpriu protocolos mundiais de combate ao coronavírus. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou medidas ultraliberais como a isenção fiscal de empresas, privilegiando os mais ricos e ainda defendeu as reformas [tributária e administrativa] como forma de combate ao vírus. Em primeiro lugar, é preciso responsabilidade do poder público e de seus representantes com a população mais pobre e com o fortalecimento dos serviços.
Nos últimos anos, após o golpe ao mandato da presidenta Dilma Rousseff (PT), o Brasil entrou em uma política econômica ultraliberal. Com ascensão de Michel Temer (MDB) ao poder, foram aprovadas a Reforma Trabalhista e a Emenda Constitucional (EC) 95 que congela os investimentos públicos em saúde, educação, ciência e tecnologia por 20 anos. Precisamos lembrar que a Reforma Trabalhista legalizou a terceirização e as formas de contratação como Pessoa Jurídica (PJ) e autônomos, trabalhadores ainda mais afetados com a atual situação, uma vez que não têm o direito de realizarem quarentena com remuneração garantida. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que não aumentou o número de novos postos de trabalho, o que aumentou foi a informalidade e, consequentemente, a precarização das condições de trabalho. E, desde o início, nós sempre nos posicionamos contra essas medidas.
Já os efeitos da EC 95 atingem diretamente investimentos públicos em serviços essenciais para a vida dos brasileiros e das brasileiras. O corte em educação atinge a produção de ciência e tecnologia. O sequenciamento do genoma do novo coronavírus, por exemplo, foi realizado em laboratórios de medicina da USP (Universidade de São Paulo), pelas cientistas brasileiras, Jaqueline de Jesus e Ester Sabino. Esta pesquisa só foi possível graças ao financiamento público em educação e em ciência, ao contrário do anúncio de cortes do governo Bolsonaro que desencadeou manifestações em todo o país. Nos EUA, o presidente Donald Trump, exigiu celeridade à comunidade científica para a criação de uma vacina. No entanto, ciência não se faz da noite para o dia. É preciso um comprometimento do Estado com investimento público contínuo e, em seu mandato, ao longo de quatro anos, Trump deslegitimou cientistas, os chamou de “mentirosos” e cortou verbas.
Na França, o presidente Emmanuel Macron, que tirou muitos recursos da saúde pública e também defendeu reformas como as promovidas pelo governo brasileiro, reposicionou o seu discurso e anunciou a isenção de pagamentos de contas de luz, água e gás por 45 dias. Ele ainda reconheceu o papel do Estado: “O que já mostra esta pandemia é que a saúde gratuita e nosso Estado-providência não são gastos e encargos, mas bem preciosos. (…) O que revela esta pandemia é que há bens e serviços que devem ser colocados fora das leis do mercado”.
A Espanha nacionalizou a rede privada de hospitais para ampliar o atendimento. Portugal e Alemanha oferecem renda básica universal as pessoas mais vulneráveis. E no Brasil? Convivemos com um governante que faz chacota de uma crise sanitária global e expõe a população mais pobre aos meandros da necropolítica.
Além disso, a engenharia brasileira – que é instrumento de formulação de soluções técnicas – tem sido sistematicamente atacada desde a Operação Lava Jato, que fechou empresas nacionais, provocou demissões em massa e rompeu com um ciclo produtivo. Recentemente, Paulo Guedes anunciou privilégios a empresas estrangeiras concorrerem às licitações públicas, o que irá dificultar ainda mais a atuação da engenharia nacional.
Para piorar nossa situação, os governantes brasileiros ainda defendem a privatização de empresas como a Companhia de Água e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae) e da Eletrobras como medidas emergenciais de combate ao coronavirus. O mundo está mostrando que a solução está no fortalecimento do papel do Estado e o Brasil caminha na contramão. Nas favelas e periferias, as pessoas não têm acesso à água, item básico de saúde. O transporte público segue lotado, o que amplia vetores de transmissão.
A engenharia tem capacidade técnica para formular projetos na área de transportes públicos para que não sejam lotados, com o objetivo de evitar aglomerações não voluntárias e com mais espaço para as pessoas transitarem. E também construir sistemas mais eficazes de abastecimento de água e de esgotamento sanitário bem como coleta, transporte e destinação final adequada dos resíduos sólidos nos bolsões de pobreza. Para isso, é preciso investimento público e comprometimento do Estado brasileiro.
A hora é de mostrar ao mundo que a engenharia brasileira pode colaborar com soluções para essa pandemia mundial.
* Clovis Nascimento é engenheiro civil e sanitarista, presidente da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros) e integrante da coordenação do movimento SOS Brasil Soberano. Exerceu o cargo de subsecretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Rio de Janeiro. Foi diretor nacional de Água e Esgotos da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades.