Como as comunas combatem a covid-19 na Venezuela: “Momento em que os povos crescem”

Na Venezuela, movimentos sociais e comuneiros constituem um importante braço de trabalhos de prevenção, combate e organização frente à pandemia da covid-19. O país, que registrou o paciente zero do novo coronavírus há cerca de três semanas, agora tem 135 infectados e três pessoas falecidas por conta da doença. 

O Estado adotou uma série de medidas para conter os efeitos econômicos da quarentena e do isolamento social e as comunidades organizadas também encontraram alternativas para driblar a crise econômica e a paralisação dos serviços durante a epidemia. 


As primeiras 2.500 máscaras produzidas pela comuna Panal 2021 foram distribuídas para a população que se encaixava nos grupos de risco / Ministério de Comunas

Panal 2021

Na Comuna Socialista Panal 2021, a resposta ao vírus foi imediata. Ainda na quarta-feira (18) começaram a confeccionar máscaras de proteção na empresa de produção social direta “Las Abejitas del Panal” . Em uma semana fizeram 2.500 máscaras com matéria-prima da própria comuna.

“Buscamos as pessoas mais idosas e que tinham problemas respiratórios como prioridade. Entendendo que o ser humano é mais importante que o capital, nós colocamos todos nossos recursos, nossas máquinas de costura, que nesse momento são nossas armas, colocamos nossas máquinas a serviço do nosso povo e começamos a trabalhar”, garante José Lugo Barreto, representante da Comuna e um dos coordenadores da facção. 

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Conhecendo a iniciativa, o governo bolivariano, através do Ministério de Comunas, irá conceder matéria-prima para a produção de 5 mil máscaras semanais, totalizando 20 mil até o final de abril. 


Na confecção “Las Abejitas del Panal” comuneiros trabalham para garantir que todos terão acesso a uma máscara de proteção / Ministério de Comunas

Além da confecção, o Panal 2021 possui outras atividades comunitárias que prestam serviços para a população e garantem a renda dos comuneiros.

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Uma padaria comunitária, um banco comunal, borracharia, rádio e televisão comunitárias são algumas das estruturas criadas em 12 anos de comuna, que além da capital, também se instalou em outros quatro estados do interior do país.

“Estamos enfrentando há algum tempo uma guerra econômica, enfrentando uma crise que fez com que o nosso povo fosse se reinventando. Eu acredito que nós estamos preparados para enfrentar essa situação. Tanto é que o presidente Maduro fez um chamado para que as pessoas permanecessem nas suas casas e 97% da população cumpriu essa ordem, porque entendem que a mensagem não é direcionada ao chavismo, mas para o povo venezuelano em geral”, afirma Barreto. 

Grupos de professores comuneiros estão elaborando atividades escolares e de recreação para manter as crianças estudando durante a quarentena. Os professores levam as tarefas de porta a porta. 


Professoras e pedagogas entregam as tarefas escolares de porta em porta nas casa da Comuna Panal 2021 / Panal 2021

As escolas da comuna possuem um programa de alimentação para os jovens. No entanto, com a suspensão das aulas, os alimentos foram usados para produzir refeições para toda a comunidade. Cerca de 200 famílias ganham marmitas diárias, distribuídas de casa em casa pelos comuneiros.

Esse alimento que abastece as escolas do Panal 2021 vem da articulação com outras comunas da zona rural venezuelana, através do plano Pueblo a Pueblo (Povo a povo). 


Depois de descarregar o caminhão do plano Pueblo a Pueblo, os comuneiros do Panal 2021 pesam e separam os alimentos / Plan Pueblo a Pueblo

Pueblo a Pueblo 

O projeto existe desde 2014, articulando comunas do campo com os comuneiros da cidade. A proposta era criar um método que acabasse com os intermediários, preços elevados e com a burocracia para escoar a produção agrícola e abastecer os que mais necessitam. 

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Assim, 14 amigos que trabalhavam para o Estado desde 2005, abandonaram seus postos de trabalho e viajaram ao interior do país para criar o plano Pueblo a Pueblo levando a produção dos camponeses da Frente Guerrilheira Simón Bolívar, do estado de Trujillo, a comunas da cidade, como o Panal 2021.

O objetivo é fortalecer a organização social da produção, distribuição e gerar uma mudança no padrão de consumo. A produção no campo se define de acordo com a estação do ano e com base nas necessidades dos consumidores. Um princípio é de que o alimento é um direito humano e não pode ser considerado uma mercadoria. 

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“É o que dizia Chávez: temos que criar uma nova institucionalidade, mas com as pessoas, construir o socialismo com as pessoas e não com as instituições. E nisso andamos. Não competimos com o governo ou com as instituições, exatamente o contrário. Esse é nosso governo, somos chavistas, mas buscamos criar outras formas de nos relacionarmos”, afirma Ricardo Miranda, matemático e um dos fundadores do projeto. 

Os fundadores do projeto apoiam os trabalhadores do campo a elaborar os cálculos dos custos de produção e planejar suas safras. Já na região urbana, ajudam a realizar censos nas comunas para conhecer a população local e definir os alimentos que serão cultivados.


Trabalhadores carregam caminhão que sairá do centro de recolhimento no estado Lara para levar alimento aos comuneiros de Caracas / Pueblo a Pueblo

A distribuição pode ser semanal, quinzenal ou mensal, de acordo com as necessidades de cada comunidade. Todos conhecem os cálculos e todo o processo produtivo, esse é o mecanismo para garantir a transparência dos preços.

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Parte do valor serve para custear a matéria-prima e toda a estrutura agrícola e outra parte é depositada em um fundo comum, usado para reinvestir nas próprias comunas. 

Assim que a covid-19 foi decretada como uma pandemia global, os coordenadores do projeto decidiram aumentar os centros de armazenamento de alimentos e começar a distribuição de comuna em comuna, para que os próprios comuneiros façam a entrega dos alimentos de casa a casa. 

Já existe um centro de coleta na cidade de Barquisimeto, capital do estado Lara e outro na região de Carache, em Trujillo. Agora, por conta da pandemia, está sendo construído um novo galpão, em Caracas. 

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“O objetivo é que cada comuna tenha seu armazém com alimento suficiente para pelo menos um mês. Essa é a nova modalidade de organização, porque antes, aos sábados, os caminhões passavam nas comunas e, numa manhã, tudo era distribuído. Agora teremos de dois a quatro dias para distribuir a comida nos centros de recolhimento”, explica Miranda. 

A queda do preço do barril de petróleo e possíveis dificuldades para o acesso a combustível são outras preocupações que motivaram a abertura de centros de armazenamento mais próximos à capital. 

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Além disso, com o fundo comum do projeto foram adquiridas luvas, máscaras, capas e outros equipamentos de segurança para proteger os trabalhadores que estão levando o alimento do campo à cidade e também para aqueles que fazem a entrega de porta em porta. 

Segundo Ricardo, atualmente são distribuídas 20 toneladas de alimentos semanalmente a comunas da região metropolitana da capital. “É a agricultura familiar que está dando a cara. E ainda que pareça contraditório, agora as pessoas estão produzindo mais, porque essa é a lógica do nosso povo. Nessa situação há que produzir mais. Agora precisamos afinar nosso mecanismo de distribuição. Agora temos muito mais relações entre comunas organizadas e trabalhadores, como por exemplo os trabalhadores das companhias elétricas. Já são 16 restaurantes que agora fazem parte do plano Pueblo a Pueblo”, afirma Ricardo Miranda.


Diariamente cerca de 200 famílias recebem marmitas que são produzidas pelos membros da comuna, enquanto durar a quarentena / Panal 2021

Batata, batata doce, banana da terra, goiaba, laranja, pimenta, acelga, cebolinha e espinafre são alimentos que fazem parte hortifruti disponibilizado nesse mês. Segundo Ricardo Miranda, os coordenadores informam de um dia para o outro quais são os alimentos disponíveis e possuem um levantamento anual de planejamento da produção. 

São 140 famílias camponesas, que cultivam cerca de 80 hectares nos estados Lara, Yaracuy, Trujillo, Portuguesa e Cojedes. Cerca de 80% da produção é orgânica e, nos últimos quatro anos, colheram duas mil toneladas de frutas, hortaliças, atendendo 350 mil famílias no campo e na cidade. 

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Além da produção de vegetais, os membros do plano Pueblo a Pueblo começaram a criar cabras e porcos para dotar os comuneiros de proteína animal. Metade da produção de derivados, como coalhada de leite de cabra, é direcionada para as escolas dentro do território abrangido pelo programa.

Em aliança com o Ministério de Alimentação, o plano já abastecia 44 escolas, beneficiando cerca de 10 mil crianças. Agora, com uma nova parceria, pretende chegar a 120 escolas somente no Distrito Capital, com o chamado “Combo para la Vida”, conjunto de cinco a sete tipos de frutas, legumes e vegetais da estação.

Ao todo, estima-se que 3 mil famílias, que moram em 42 comunas, estão vinculadas ao plano nos estados Aragua, Lara, Yaracuy, Portuguesa, Trujillo, Cojedes, Carabobo e no Distrito Capital. Somente em Caracas, são atendidas 15 comunas, com distribuição de alimento semanal, quinzenal ou mensal.

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Os agricultores são organizados por território na chamada Rede de Produtores Livres Associadas, através da qual são feitos levantamentos periódicos sobre a demanda das comunas da cidade e a oferta das comunas do campo.

Em 2019, o projeto foi premiado pela Aliança Estadunidense pela Soberania Alimentar – uma organização que reúne 40 grupos que militam pela causa alimentar nos Estados Unidos. 

“Só o povo salva o povo”

Em meio aos novos hábitos que a pandemia global gera, ambos comuneiros acreditam que as próprias comunidades deverão dar as respostas necessárias para vencer a crise gerada pelo novo coronavírus. 

“Vemos com muita preocupação que no Brasil as pessoas e o governo não levaram a situação tão a sério. Já que o presidente que vocês têm aí não está fazendo o trabalho que deve fazer, eu acredito que o chamado é para que o povo se organize e tome decisões para preservar sua vida e sua saúde. Se o povo não se organiza para fazer isso, infelizmente não vai ser esse presidente que só está preocupado com seus interesses econômicos e dos seus partidários”, garante José Lugo Barreto, do Panal 2021.  

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Nas comunas, o princípio central é o bem da comunidade. O que unifica uma comuna a outra e projetos como o plano Pueblo a Pueblo é o ideal de construção de uma nova forma de fazer economia e de se relacionar. Para Miranda, o momento de crise pode demonstrar a força popular.

“Esse é o momento dos povos, o momento em que os povos crescem. Estamos mostrando que sim, é possível fazer com os recursos que o nosso país tem. São quase 950 km² de terras agricultáveis, temos água, temos solo fértil, temos um mar Caribe, então nosso horizonte tem que ser na produção para que possamos ter soberania. Viver do que produzimos. Acabar com o rentismo e com a ideia de que tudo se resolve com dinheiro. Aqui há um povo que já demonstrou que mesmo sem financiamento consegue produzir”.

Para José Lugo, a situação comprova o nível de consciência que os 20 anos de Revolução Bolivariana geraram no país. 

“Além do chavismo como tal, eu acredito que o povo organizado, consciente é que está respondendo. Se nós nos unimos para produzir máscaras e evitar que essa situação siga avançando, imagine um povo unido a combater um inimigo comum, que são essas pessoas que ameaçam atacar o nosso país. O povo venezuelano está preparado para isso e para mais”, finaliza Barreto.

 

By Alice Pavanello

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