Coronavírus: sem casa, população de rua do Pará é reunida em estádio

“É a parte mais frágil da nossa população”, foi assim que o Secretário de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster), Inocêncio Gasparini definiu a população que vive nas ruas da capital paraense.

A população de rua enfrenta uma série de problemas cotidianamente: drogas, alcoolismo e doenças como tuberculose e pneumonia. No último domingo (22), o governo decidiu reunir as pessoas no Estádio Olímpico do Mangueirão. Nesta quinta-feira (26), o espaço já abrigava 502 pessoas em situação de rua e a expectativa é que o espaço receba mil pessoas.

O Ministério da Saúde (MS) recomenda que seja evitada a aglomeração e mantenha-se uma distância de dois metros entre uma pessoa e outra para conter o avanço da covid-19. A quarentena é recomendada, mas como manter em casa pessoas que não têm casa? Para além disso, a população de rua carrega consigo uma série de particularidades, entre elas, a dificuldade de entender a necessidade de cumprir regras, como, por exemplo, o uso de máscaras e o distanciamento social. 

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Na manhã desta quinta-feira (26), o Brasil de Fato esteve no local e presenciou uma diversidade de pessoas com pouco ou nenhum distanciamento. Havia crianças, idosos, pessoas de todas as idades. Uns pediam coisas, outros cumprimentavam e outros davam de ombros. Todos relataram o que estava sendo fornecido: comida, atendimento médico, medicação e local para dormir, mas ainda não tinham entendido muito bem o que era o coronavírus. 

Para quem é ameaçado todos os dias e vive na iminência de ser agredido gratuitamente nas ruas da cidade, compreender que há uma pandemia em curso e que contê-la depende da sua capacidade de lavar as mãos, usar máscaras e ficar distante do outro não é fácil. 

Thyago Rezende, 40 anos, é relações públicas e trabalha há quatro anos junto à população de rua. Ele afirma que, com a chegada do coronavírus no Pará, os grupos que ajudam essas pessoas deixaram de atuar. Assim, as pessoas ficam sem comida, porque a alimentação depende da doação e de que pequeno trabalhos que eles realizam como carregar caixas ou outros itens para moradores.

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Rezende trabalha em três grupos solidários: Pará Solidário; Venezuelanos Belém e o Grupo Bem Querer, que existe há 15 anos levando comida para as pessoas em situação de rua. Sobre a ação do Mangueirão ele afirma que, na sua avaliação, era a melhor solução. 

“A questão do Mangueirão é claro que não é a situação ideal, mas para uma situação emergencial  foi a melhor solução que teve. Eles estão muito bem organizados, claro que não está perfeito, não tem como estar perfeito, até porque naturalmente a pessoa em situação de rua não tem esse entendimento sobre o cumprimento de regras, eles vêm de uma liberdade entre aspas, absoluta nas ruas, então, são bem resistentes a qualquer forma de normas a serem seguidas, mas na medida do possível isso está sendo bem controlado lá dentro”, explica. 

Thyago diz ainda que qualquer pessoa com sintoma de gripe ou doença crônica é separado na triagem. “Elas ficam em uma área de isolamento sem contato com o restante do grupo e qualquer pessoa do grupo, se manifestar algum sintoma, é levada para o isolamento, onde usa máscara e tem uma série de cuidados”, afirma. 


Homens do exército estão atuando na logística de atendimento aos moradores de rua. / Catarina Barbosa

Entretanto, um profissional de saúde – que prefere não se identificar para não sofrer represálias – afirma certa preocupação com os próximos passos dessa aglomeração de pessoas não, apenas, pelo covid-19, mas sobretudo pela dificuldade de relacionamento e outras doenças.

“Pessoas em suas casas podem ficar angustiadas por conta do isolamento, imagina quem vive nas ruas. Dependendo do tempo, em 30 dias, podemos esperar episódios de grande sofrimento mental, crises, agressividades, violência, abuso químico, sem contar a mistura de pessoas com tuberculose, quem não tem e  vai ter. Não sei se vai ter remédio ou teste para todos”, afirma preocupado.

Na análise do profissional, o ideal seria concentrar grupos de moradores de rua em espaços menores da cidade. Para ele, o cenário atual aumenta a exposição não só ao coronavírus, mas também à tuberculose e pneumonia. Ele também criticou o custo operacional da iniciativa.

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Não o ideal, o possível

O Secretário da Seaster, Inocêncio Gasparini explicou que a demanda de reunir a população de rua foi no intuito de abordá-los, acolhê-los e prestar assistência de forma que eles possam aumentar a sua resistência e melhorar a saúde para não se tornarem vítimas frágeis do coronavírus. 

Obviamente que, se não se cuidar e elas se tornarem vítimas do vírus, elas serão transmissoras sem controle, porque é a parte mais frágil da nossa população. São aquelas pessoas que foram para a rua, elas não têm mais nada, eventualmente comem lixo, vestem roupas do lixo, dormem em cima de papelão, não têm pia, não tem banheiro, fazem as necessidades em qualquer lugar, onde dá”, diz. 

O secretário explica ainda que sabe que há críticas com relação a concentrar pessoas em um só local, mas que essa foi a melhor forma encontrada no momento.

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“O objetivo principal é cuidar dessas pessoas, não é transformar isso aqui em um campo de concentração. É acolher e cuidar e transformar esse ambiente aqui com um diferencial melhor do que eles possam encontrar na rua”, pontua.

As autoridades e voluntários envolvidos no processo entendem que pela frente pode vir uma série de problemas. Na capital paraense, os moradores se dividem por ruas, cada um controla seu espaço e há rivalidade entre grupos. Sabendo disso, um protocolo está sendo elaborado para que se apazigue questões mais delicadas. 

“Eles estão tendo um tratamento digno apoiado pela sociedade que faz fila para entregar alimentos, roupas e outras coisas. É a comida, café da manhã, almoço, jantar,  kit de roupas, kit de higiene pessoal, atendimento de saúde e ainda estamos criando protocolos. Vamos hoje fechar os principais protocolos de convivência no abrigo”, afirma.

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Segundo o secretário, o protocolo prevê: revista para evitar a entrada de drogas e registro da hora em que o morador de rua sai, porque no local, os moradores não são impedidos, apenas, recomendados a não sair. 

“Não é fácil. É bom que todo mundo tenha muito claro que essas pessoas são do mundo da droga, muitas têm algum tipo de deficiência mental e algumas de difícil relacionamento. São três principais grupos regionalizados da cidade que a gente sabe que são rivais, que na rua eles se esfaqueiam às vezes. Então, tem um série de cuidados que estamos tendo que ter, já estamos melhorando esses procedimentos. Eles não estão presos e começa a aparecer o resultado da abstinência da droga e com isso estamos tendo cuidado redobrado, porque sabemos que uma pessoa dessa condição que chega a essa situação, pode se tornar extremamente violenta”.

O secretário admite que a iniciativa pode não ser a melhor, mas deixar a população na rua seria um problema ainda maior com relação ao avanço do coronavírus, porque a contaminação vai além de, apenas, lavar as mãos. Segundo ele, a medida foi tomada ponderando que os pontos positivos eram infinitamente maiores do que os riscos. E que os riscos são controláveis. 

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“Eu acho que estamos em um bom caminho. Não vou arriscar dizer que é o melhor, mas não tenho visto uma outra opção a não ser uma de extremo luxo que nós não temos nem para quem está com o corona. Estamos com mil problemas: a rede federal, estadual de saúde, as municipais para planejar como vamos fazer se esse negócio avançar e chegar onde estão dizendo que vai chegar. Imagina pegar essa população e colocar em quartos ou enfermaria, porque é isso que eles merecem. É isso que precisam. Eles estão muito doentes. Essa forma aqui é uma forma que os coloca em um ambiente melhorado em que a gente vai se esforçar para que seja o melhor possível com alimentação, higiene, cuidado médico e cuidar um pouco do espaçamento e preparados, dentro da rede de saúde, caso entre o coronavírus”, afirma. 


População está doando material de higiene, roupa e brinquedos para os moradores de rua. / Catarina Barbosa

Segundo o governo do estado, a iniciativa será reproduzida em Marabá para atender o Sul e Sudeste do Pará e em Santarém. O Parazão, Campeonato Paraense, que estava em andamento foi cancelado por conta da pandemia. 

Como doar

Os materiais podem ser entregues no portão B2 do estádio olímpico do Mangueirão.

 

By Alice Pavanello

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